.
Só a rajada de vento
dá o som lírico
às pás do moinho.
Somente as coisas tocadas
pelo amor das outras
têm voz.
Fiama Hasse Pais Brandão
.
Eu tive um babo… um homem-exemplo, a figura para o qual a minha bússola interior — o cuore — apontava e a quem eu gostava de imitar porque éramos iguais em gestos. E eu aprendi — sem nenhum esforço fazer — a repetí-lo porque era o meu gigante favorito…
À mesa da cozinha… era deliciosa a maneira como removia as cascas do pão de forma e passava manteiga, dobrando a fatia — como se fosse papel — levando à boca… minha brincadeira favorita.
Ao sair às ruas… era mágico o jeito como aconchegava as mãos no bolso da calça e observava o movimento dos pés, apreciando o que era caminhar-caminho. Eu tomava o devido cuidado de combinar o meus passos-gestos ao dele. Na primeira vez em que reparou minhas ações iguais, sorriu e, mais tarde confessou a C., que eu era a sua versão feminina, mas completou dizendo, que não estava convencido de que isso era uma boa coisa. Riram os dois e eu ri com eles, em segredo…
Herdei toda a sua fúria… nasci entre trovões e me transformei em uma tempestade dentro dos dias azuis. Meu sangue ferve, as mãos se fecham, os dentes travam batalhas silenciosas e o olhar exibe o que é raiva-ódio, temperatura elevada do lado de dentro. Sou uma figura indócil, com um arsenal de frases bem pontuadas, prontas para uso.
Aprendi com ele a não me calar… a questionar. Sempre fui a primeira — quando não era a única — a levantar a mão e fazer perguntas, exigir respostas e não me conformar com qualquer tipo de respostas. Ele me preveniu do perigo que era ser da turma que não se cala. Cabeça erguida, ombros e olhares retos… e a certeza de que eu colecionaria desafetos e conquistaria pouquíssimos amigos.
Ele não era bom com pessoas, acusava cansaço sempre que a pessoa à sua frente, repetia frases prontas, como sendo suas. Acusava horror quando alguém se limitava a dizer amém. Preferia o silêncio a desperdiçar um bom argumento. Não recusava uma xícara de café ou uma generosa fatia de bolo. Seu cômodo favorito na casa era a cozinha, para onde ia com tudo de si… misturava ingredientes, diálogos, músicas.
Foi ele quem levou à escola — em meu primeiro dia de aula — era a segunda tentativa… e ele se abaixou e disse — “eu sei que não queria estar aqui, mas faz parte do seu trajeto. Passei por isso também, bambina. Foi horrível e não posso dizer que vai ser melhor para você. Mas eu fiz o meu melhor. Agora é sua vez. Seja firme… e leal ao que nós te ensinamos. Não baixe os olhos, a guarda. Não se curve, nem se diminua. Olhe sempre nos olhos e se tiver problemas, resolva. Eu não quero ser chamado para resolver os seus problemas“.
Eu era a sua menina… noturna-notívaga, apaixonada por livros, xícaras de leite caramelado, envelopes, as manhãs de sábado, a mesa da cozinha, o meu cachorro Lord, o balanço imóvel no quintal, a solidão do meu quarto, a quietude dos telhados vermelhos, o lugar do meio no sofá — entre os meus — e que sabia, ao olhar no espelho, reconhecer os seus pares: o nariz de um, a boca de outro… os olhos dos dois.
Ainda hoje — passado tanto tempo desde a partida desse meu gigante favorito — sempre que o olhar pousa em um par de degraus… quero ali me sentar para esperar por ele, como fazia na infância, enquanto ouvia contos indianos.
,
| escrito ao som de o mio babbino caro |
Que bênção ter alguém em quem se espelhar…Vejo nossos jovens perdidos, sem essa relação, sem essa entrega…Muitos ainda tiveram que deixar de ser filhos e passaram a ser pais muito rápido e não tiveram tempo de olhar, de observar, de aprender…
Seu texto é simplesmente mágico, que relação gostosa, tenho alguns momentos bons, que gosto de olhar, mas, não fomos tão próximos…
Abraços
Ah que lindo. Estou emocionadíssima.
Vi você menina a repetir os gestos, as falas e toda vaidosa ao imitá-lo.
Imagino que ele deveria se sentir o melhor dos homens.
linda crônica.
bisous
Eu, ao contrário de você, sou muito diferente de meu pai. Não fomos próximos e eu me afastei porque ele não gostava da pessoa que eu era e eu não seria diferente para o agradar. Nos tolerávamos quando nos mesmos ambientes e só. Sempre fui muito educada e respeitosa, mas ele se ressentia por eu não ser a pessoa que ele queria e eu sempre fui muito orgulhosa da pessoa que eu era, fui e sou. Mas, em alguns momentos eu senti falta de um pai, um amigo assim como foi o seu e que bonito isso de ele te conduzir à escola.
bj
Menina Lunna, que bela crônica escrevestes sobre o tuo babbo. Eu li com a música ao fundo e me emocionei. És uma privilegiada, sei que sabes bem disso. Que lindo ler-te e saber-te uma continuidade dos seus e que delícia ver-te reconhecer. Senti que escrevia sobre si e ele, duas figuras em uma. Maravilhoso.
baci, menina Lunna
que lindo muito emocionante suas palavras.
Que coisa mais linda e tocante, carissima amica! Tenho certeza que seu amado pai sorri!
Bacioni
Lindas declarações de amor, Lunna! A dele, por lhe mostrar o caminho da liberdade. A sua, se permitir ser livre como ele lhe indicou. Bacio!
Gosto da forma que se expressa e coloca um toque a mais de sentimento em coisas não sentimentais. É um belíssimo texto sobre a vida, sobre os gigantes paternos e amor. ❤
Olá ♥
Amo muito seus textos, mas com toda a certeza esse foi o meu favorito até agora, me segurei o dia inteiro mas terminei de ler chorando, sei como é sentir saudades e hoje apertou pra valer.
Obrigada pela oportunidade de ler esse texto tão maravilhoso ♥
Bjo