Eu escrevo nesse agosto… o seguinte ao seu. Dois mil e dezenove, escrito por extenso porque é assim que preferimos… E eu ainda não aprendi a gostar de números na forma-matemática de equações e cálculos insuportáveis. Algo que dificilmente acontecerá nessa vida, que dá continuidade a sua. Por extenso parece que perdem a forma-idéia-formato (deformam) e faz parecer impossível a soma. É apenas um verso-livre, certo?
E nesse Agosto que é meu-seu-nosso, minha cara… Você não fechou os olhos. Atravessou a noite como tanto gosta. A ansiedade galopava em sua pele, povoada por tantas coisas-mundos-insanidades. E a madrugada estava perfeita para leituras e goles de chá-café… Você foi até a prateleira e voltou de lá com um dos nossos livros favoritos: viagens ao scriptorium, de Paul Auster… devorado entre pequenos goles, para melhor sentir o aroma em meio a lentidão dos gestos, que tanto aprecias.
Depois disso, voltou a sua nova aventura: o romance a voz das pedras, que tem lhe feito ouvir a mesma música incontáveis vezes; a trilha sonora de Alice, a nossa personagem. Tomei a liberdade de alterar o nome que havia dado a ela. Sei o que motivou a escolha. E reconheço que o vosso olhar foi certeiro (mais uma vez) ao reconhecer a fôrma-forma. Mas a personagem, como sabes, ao passar por mim, metamorfoseou e seguiu em outra direção. Não é fácil manter-se fiel ao ritmo proposto pela realidade. Faltou ar tantas vezes, minha cara. Queria chacoalhar a personagem. Tirá-la do côma, fazê-la emergir em vida. Quem mais, além de você, entenderia essa confissão?
Enquanto lhe escrevo, o som repete-se em notas e eu faço pequenas pausas para repetir trechos da canção. Acabei por sorrir paisagens inteiras, visitadas por dentro. São lugares nossos. Alguns cenários inexistem — peças de um quebra cabeças que a nossa escrita montou ao longo dos anos. Outros, é um poema que não somos capazes de escrever. Eliot falou de nossa infância. Borges e Cecília. Emily e Wislawa escreveram tanto de nós. E eu agradeço a cada um por isso. Posso me calar e ouvir certos sons familiares.
Bem, o dia começa a acontecer na janela da frente, com suas cores de sol. É inverno por aqui… mas, é verão-primavera-outono nas horas seguintes. Rumores de tudo e nada, minha cara. Um verso perfeito da nossa poeta-primeira… Emily Dickinson, que escreveu cartas ao mundo em outro ano-vida-mundo para serem lidas por nós em nosso tempo-futuro-outro. “Eu não sou ninguém / Quem é você? É ninguém também? Então somos um par!”... Você escuta o eco dessas palavras?
Veja, o sol lambe o prédios da frente… e eu sinto cheiro de laranja no ar. Lembro-me do nonno com a faquinha que ele levava para todos os lados — para descascar uma fruta que ele puxava do pé. Ele tinha um olho bom para fazer a escolha.
E a cidade desperta com seus sons múltiplos e em meu íntimo uma vontade que é sua-minha e daquela mulher que nos ensinou a preparar uma fornada de pães — grita. Ontem eu fui ao mercado, por isso eu sei que tenho todos os ingredientes de que preciso: trigo, açúcar, sal, fermento, iogurte natural e manteiga.
Grata pela companhia até aqui e até qualquer dia seguinte, cara mia.
Já disse que adoro a forma como você escreve? Sempre fico fascinada com a forma como junta as palavras. Nesse texto não foi diferente ❤
quando “crescer” quero ser uma escritora assim como você, cada palavra que vc escreve toca o coração ❤ amei ❤ Sigo apaixonada do lado de cá ❤
Eu gosto incrivelmente da forma que você coloca sentimentos e detalhes que passam despercebidos no nosso dia a dia. Transforma tudo numa poesia ou uma canção não cantada.
ai, ai, ai…. os pães… Salivei aqui!