Passei um par de minutos a pensar nos tempos de outra senhora — como se diz em Portugal — quando eu decidi que a edição de livros era uma bela muda de roupas para vestir o meu corpo.
Não tinha experiência alguma nessa área. Embora estagiasse aqui e ali… e vivia no meio de pessoas literária, participando de saraus, encontros, debates e embates, palestras, oficinas e cursos — na tentativa de compreender a escritora que C., enxergou em meu invólucro.
Depois de um sem-fim de cursos e muitos rascunhos… cheguei à conclusão de que seria muito mais fácil lidar com a produção alheia que com a minha própria. Afinal, os meus rascunhos careciam de uma maturidade que eu não sabia se alcançaria.
Diante de um signore conhecido pela bela coleção de livros que deu ao mundo, que eu inspecionava com os olhos sempre que me sentava em sua mesa para o diálogo matinal (nunca antes das nove, dizia ele) e, dada a calmaria do momento, me senti à vontade para questioná-lo — como encontrou o Norte de cada um desses livros?
T., acomodou seu corpanzil na cadeira, o cotovelo esquerdo na mesa e me olhou com especial atenção. Pouco depois abriu um sorriuso-branco-gostoso, bebeu um pesado gole de café e disparou a fala bem pontuada, com uma calma natural de quem aprecia seus feitos — o único Norte que temos é o que pulsa dentro (disse, apontando para o peito e continuou). Mas, nem sempre o ouvimos. E ele insiste. Acelera e, às vezes, quase para. Faz qualquer coisa para que a gente o ouça. É apenas um músculo involuntário, dizem. Enquanto acreditei nessa premissa, cometi erros, senti medo de errar e até mesmo de acertar. Mas, quando eu apontei a Bússola para o lado certo… os resultados vieram. Eu cometi erros e eu espero que você os cometa também. Não aprendemos grandes coisas com os acertos. São os nossos erros que nos forjam.
O primeiro livro que eu editei — anos mais tarde — fez parte de um projeto inventado para ser o ponto de partida da Scenarium: exemplos de poesias, composto de cinquenta poemas. Recebi dezenas de escritos… lidos um por um. Comecei a compreender ali, o que me disse T.
Separei os que gostei… imprimi e li poema por poema, dentro de um fim de tarde. Gostei e não gostei. Li de novo e fiz tímidas anotações com a minha velha lapiseira, nos cantos das folhas impressas. Li de novo e risquei algumas palavras. De novo… e inverti alguns versos. De novo e de novo… até ouvir um trovão do lado de dentro. E conclui: está feito…
Me lembrei das revisões feitas por Mário, em sua Paulicéia Desvairada. As “cirurgias” feitas por Higginson, na poesia de Emily Dickinson. E tantas outras intervenções. Me questionei sobre o meu gesto e a possível reação dos autores. Mario buscava pelo seu melhor verso. Mas a poeta estadunidense Dickinson, jamais aceitou os cortes e recortes.
Guardei o meu trabalho primeiro de edição na gaveta… e sai para andar a cidade. Pensar o lugar dos meus pés. Sentir as ondulações do caminho. Observar as silhuetas de casas e prédios. Provar da brisa paulistana, na pele. Degustar um latte entre esquinas. Ao voltar para casa, preparei um e-mail para a Autora, que respondeu no mesmo dia… e que resultou em meu primeiro material editado e consequentemente publicado pela Scenarium (plural) livros artesanais.
E lá se vão sete anos de muitos erros… e, alguns acertos!
Primeiro capítulo do meu scenarium…

Parabéns 👏🏻👏🏻
Que essa autora seja homenageada por aceitar suas intervenções! Se a conheço um pouco, você continuaria a seguir “il tuo cuore”, mas creio que esse ter sido um bom incentivo.
No caso da edição, meu caro, a gente sempre espera por algo mais técnico e quando vem algo tão simples e comum e de tão óbvia nos parece impossível. Sim, sigo o meu cuore… e gosto dessa bússola a pulsar no meio do peito (vou escrever sobre isso) rs
Ps. Quanto a autora primeira, está comigo até hoje… e nossos diálogos são sempre regados a café rs
Devo abraçá-la quando a identificar…