Nessas últimas semanas em que tantas despedidas pousaram na ponta dos meus dedos — onde acenos ficaram represados — recordei alguns dos meus ontens. A minha vida — desde a infância — é feita de chegadas e partidas. Sempre me lembro — como se tivesse acontecido há pouco — da cena que presenciei na estação de Nervi.
Eu era tão menina… sabia pouco ou nada a respeito das coisas. Conhecia menos ainda. Vivia tão sem consciência. Com os olhos atentos a tudo… tentava guardar o máximo de cenas possíveis.
Eu suspirava saudades inexistentes… tramava futuros impossíveis e quando ouvia o apito sonoro da locomotiva — que crescia na curva e se agigantava por toda a extensão da Estação — meu cuore disparava dentro do peito. Tinha a exata noção da minha pequenez diante do gingantismo do mundo.
Eu tinha pressa… queria ocupar meu lugar e apreciar as pessoas na Plataforma. Gostava de ver os abraços e participar deles. Os acenos. Tudo era comigo. Sentia todas as emoções. Algumas eram mais difíceis e pareciam narrar eternidades impossíveis. Outras eram tão acaloradas que dava para sentir o aroma de até breve nos corpos e pele.
Eu sabia o que significava cada movimento — todas aquelas pessoas eram como peças num tabuleiro de xadrez e eu determinava o próximo movimento… devidamente calculado.
Naquela manhã, no entanto, havia um signore estava sozinho — como se fosse encenar um monólogo no centro do palco — para o qual não estava preparado. Poucos ensaios e o ineditismo da situação o deixou desconfortável.
Ele exibia um olhar vazio. Cabisbaixo, amassava a boina com as duas mãos e os pés pareciam enraizados no chão. Senti em meus músculos e nervos toda a força feita para conter o choro nos olhos nublados.
Suspirei com ele algumas vezes… soube que esperava por alguém que não veio. Provei de sua solidão. Dividimos por um instante — tempo de um aceno, que ele recebeu-e-devolveu —, a mesma emoção. Fui a sua chegada e ele a minha partida.
Doeu imenso em mim, vê-lo sem força-vontade-ânimo no passo. Um último olhar e a certeza de que não havia mais ninguém para desembarcar. Não era o desfecho desejado. Provei de suas vontades-secretas. Alguém que ele não via, havia tempos.
Grudei minha anatomia inteira no vidro do vagão. Naquele momento, ele era apenas um estranho, uma pessoa, um homem punido e sentenciado uma vez mais. Hoje eu sei que era muito mais… o primeiro personagem — a se oferecer a mim.
Quando algumas pessoas vão embora… eu aceno à ele — no tempo de ontem — e aguardo que olhe para mim com seu sorriso empalhado-fraco, olhar vago-opaco e partilho da mesma emoção-conhecida-antiga. Tenho plena consciência de que nada dura para sempre. Levo a mão no ar, mas a recolho no último segundo, antes de ser aceno-despedida.
| * verso de Emily Dickinson, 1882 |

Último aceno… Senti a emoção daquele homem e a troca de olhares entre vocês. Gostei. Abraços
Sabe que eu sempre sinto e fico a imaginar o que houve com ele depois daquele momento. Já rascunhei tantas possibilidades. rs
bacio
Desde que li sobre o que acontece na Itália é que penso em você e fico com o coração pequeno a pensar nas suas perdas. E agora eu sei, pela sua narrativa triste que elas aconteceram. Sei que certas despedidas (como as que acontecem nesse momento) não cabem num aceno.
Queria muito te abraçar agora. Depois que isso tudo passar quero passear de trem. Estações tem um quê de melancólico, de nostálgico que eu amo.
Nunca li nada de Emily Dickinson, mas já coloquei na minha lista.
Bisous
ah, cara mia… eu senti o teu abraço.
E depois que tudo isso passar, vamos marcar um café para conversarmos. Nos devemos isso.
bacio
Eu sempre insisto em dizer que existe beleza até na tristeza e ao ler seu texto hoje, insisto mais uma vez. Amei seu texto. Que belo. Me emocionou muito. Obrigada.
Grazie cara mia… por ser parte dessa beleza.
bacio
Eu nunca me canso de ler o que você escreve. A forma como você transforma coisas simples em poesia me encanta. E eu nem era leitora de poesias antes de frequentar o seu blog.
Sei que o momento é triste e difícil. Todas essas perdas desnecessárias. Sei la, preciso muito acreditar que vamos retirar algum aprendizado disso tudo.
Que você fique bem. e continue a nos brindar com textos lindos iguais a esse.
meu forte abraço a você.
Eu gostaria de acreditar nisso, mas não consigo. Não depois de tudo que tem acontecido por aqui. Sei lá, parece que estou em um pesadelo. Queria apenas despertar… e ter 24 horas de paz.
bacio
Também sou repleta de chegadas e partidas. Quem não é? E ela sempre estão acompanhadas de aprendizagens, desafios, lutas e resiliências. Que belo texto para esse momento doido que vivemos.
Li o comentário da Lua Nova e espero mesmo que você esteja bem.
Eu amei seu texto, como sempre a poesia transborda da ponta dos teus dedos e se não tem lugar para aceno, tem para afago.
Fique bem e obrigada por compartilhar conosco.
Eu estou bem, cara mia.
Grata pelo carinho.
Meu abraço a você
Lunna, seu aceno está eternizado – consolo infindo ao homem solitário…
Mas é uma eternidade estranha… gosto de olhar para ela, mas gostaria de ir além. rs
Que texto lindo de Dickinson para esse momento. Tocou o fundo do meu coração e alma.
Triste momento e despedidas que deixam o cuore apertadinho. Difícil dizer algo, difícil pensar.
Meu abraço a você, apertado, mesmo a distância.
Fique bem.
Bacio
A poesia de Emily sempre me dá alento, minha cara.
E gosto quando os versos dela servem de norte para os meus escritos.
bacio
Gosto como seus textos me transportam facilmente para os lugares/situações que você nos conta. Consegui ver, talvez mais em meu coração do que em minha mente, o senhor na estação, a esperar por alguém que não veio. Não sei lidar com despedidas, admito.
Eu nunca soube, por isso guardo o aceno comigo. rs
bacio cara mia
Consegui me transportar para a cena e sentir a tristeza do senhor. Como deve ser doloroso esperar por alguém que não vai chegar…Instantes que vivenciamos que ficam pra sempre na memória. Parabéns Lunna pelas belas palavras.
Tem razão minha cara. Não deve ser nada fácil essa espera que chega ao fim sem que o vazio seja preenchido.
bacio
A gente se despede já desejando o reencontro.
Parabéns por mais um belo texto.
Grazie pelo olhar, caro mio.
bacio