Estava aqui a olhar para o nada… com a mente vazia e o corpo inerte quando dei pelo fundo da xícara e, de repente, fui tragada por uma espécie de halo. E lá estava eu, em sala de aula, com os olhos arregalados. Eu havia retornado ao colégio para os estudos do segundo ciclo. Era mais uma tentativa — infeliz — de conviver com o bando.
Estava sentada em meu canto… última fileira — ou seria a primeira? —, ao lado da janela. Isolada do convívio comum — era o que eu acreditava. A aula tinha duração de 50 — intermináveis —, minutos e era apenas a segunda daquele dia. Todo o conteúdo despejado pelo professor… eu já sabia-conhecia. Estudar a casa me permitiu outro tempo de aprendizado — no meu ritmo e não no dos outros.
Riscava a folha do caderno com versos que flutuavam em minha memória. Tinha lido no dia anterior uma nova poeta e ainda lidava com as sensações despertadas em mim por tão poderosos versos. O veneno fazia efeito lentamente e eu sempre gostei daquela sensação maravilhosa de entorpecimento.
Fui trazida a tona pela voz do professor que pronunciou o meu santo nome em vão. Ele falava com a turma a respeito do jornal da escola — desativado havia anos. E porque pensou em mim para estar à frente do projeto? Era justamente o que eu gostaria de saber-entender-compreender. A tarefa imposta me deixou a deriva. Está decidido…. você será a redatora chefe do jornal. Nenhuma lógica se apresentou a minha matéria. Tentei descobrir o que era assunto durante a minha “ausência” e sem um porto onde ancorar, permaneci onde estava.
Achei interessante, no entanto, a paixão demonstrada por aquele homem estranho — com seus cabelos emaranhados, roupa amassada e meias coloridas. Se parecia com um clown — faltando apenas a maquiagem.
Ele nunca usava o giz, mas o mantinha entre os dedos, como se a qualquer momento fosse fazer uso daquele objeto amarelo. Todos os demais professores riscavam o quadro negro com giz branco.
Ele era um orador confuso que misturava temas e nos obrigava a mapear suas falas e conteúdos múltiplos. Não demorei a perceber que suas aulas tinham começo e fim apenas.
A sala do velho-futuro jornal da escola estava uma bagunça — se parecia com um quarto de despejo. Os vidros das janelas estavam embaçados — o que me levou a pensar nos contos escritos por Edgar Allan Poe. E os móveis velhos estavam empoeirados. Faltava apenas o fio de luz a balançar no ar. Seria uma cena perfeita para um crime de Agatha Christie.
Outros cinco alunos e a professora de literatura também foram intimados para o projeto e estavam ali para viabilizar a proposta. Eu não queria estar ali… não pretendia participar. Existia, no entanto, qualquer coisa de consciência quanto a necessidade de contar pontos para o futuro. Fui alertada para a importância disso. Eu precisava fazer algo que nunca quis-pretendi: chamar a atenção das pessoas certas.
Respirei fundo… me sentei ao lado deles e descobri no primeiro papo que éramos personagens de uma mesma trama. Pertencíamos a um seleto grupo — dos leitores. E não demorou para que a primeira reunião se transformasse num delicioso bate papo sobre livros. Certamente o assunto não seria outro se o professor não nos arrancasse daquele animado diálogo agudo — sobre cenários, personagens, tramas — e nos posicionasse diante de um desafio: o primeiro exemplar.
Ficamos em silêncio por um bom tempo… com o olhar detido no nada, a mente vazia e o corpo inerte — como se estabelecesse uma ponte entre os tempos de ontem e hoje.

Eu adorei a viagem, mas fiquei com uma pulguinha aqui. E o jornal? Deu conta? Somos pontos necessários? Eu sei que curou Coimbra, fez psicologia, mas não sei de que maneira um jornal contribuiria para isso. Então fiquei na dúvida.
Conte. Conte. Conte.
bisous
Que deliciosa memória! O jornal deu certo? Quando eu era criança/adolescente, sonhava em participar de um jornal escolar – Aliás, assistia vez ou outra filmes gravados no sistema escolar norte-americano e ficava entediada com o local onde eu fui inserida para estudar: Queria que houvesse jornal, lideres de torcida, clube de xadrez e de matemática. Hoje, sei duas coisas: Apesar de tudo, o sistema norte americano, não é o melhor. E, se eu estudasse em uma escola com tudo o que vemos nos filmes, teria problemas para definir prioridades, pois iria querer participar de tudo ao mesmo tempo (Até hoje sou assim).
Beijos!
O professor soube escolher muito bem esse seleto time de leitores para tomar a frente do jornal. E não sei se deveria, mas achei incrível a ambientação do lugar como um enredo de Edgar Allan Poe e Agatha Christie, mas ambos tem obras envolvendo o terror e a morte.
Seus escritos sempre me levam a viajar, geralmente ao passado, me vi sentada na naquela sala barulhenta olhando para a praia, sim minha sala de aula dava para uma praia linda, maravilhosa me chamando e o professor falando e falando, mas, o meu nome pronunciado em vão ela para chamar atenção, para que eu parasse de sonhar acordada e não ficasse sonhando na aula dele…Bem você teve mais sorte…E o jornal, saiu???
Abraços
Me encanta como vc transcreve os seus acontecimentos….é como se eu pertencesse ao lugar….👏👏👏♥️💋
Que maravilhosa viagem interdimensional-temporal, Lunna! A ponte entre o jornal e a Plural me parece nítida!
Várias lembranças me vieram durante a leitura desse texto. Comecei me lembrando que ao contrário de você, eu sempre me senti em casa na escola. Nunca fui o tipo popular, mas adorava me sentir parte do bando. Minhas grandes amigas, que me acompanharam e me acompanham na vida, vieram dessa época. Depois, ao falar sobre o professor, me lembrei de alguns que eu tive, que pareciam perceber coisas que os outros não percebiam e incentivam os alunos a fazerem coisas que nem eles sabiam que queriam. Me lembrei também que sempre pensei que seria legal se a escola tivesse um jornal – influência dos filmes americanos talvez – mas nunca aconteceu. Adoro como seus textos às vezes me mostram pontos de vista tão longe da minha realidade que é difícil assimilar e às vezes me trazem memórias e um sentimento de nostalgia.