Nos últimos dias-semanas-meses estou a viver em isolamento social. Saio de casa apenas para o necessário: fazer compras no supermercado-farmácia e é o suficiente para me aborrece com o comportamento humano-local que repete o do homem eleito — um boçal.
Volto para a casa e tento deixar no capacho da porta, todo o meu desconforto. Há um ritual que se repete: calçados não entram, ficam do lado de fora. A roupa que uso para ir as ruas, não é a mesma que uso dentro de casa. Retiro a máscara. As roupas. Lavo mãos-braços-rosto… e parto para a higienização de tudo que veio da rua.
Por sorte temos uma varanda agradável o que nos permite almoçar fora quase todos os dias… e, com a redução da poluição visual e sonora, podemos ouvir os pássaros que parecem ironizar a minha condição. Somos nós os engaiolados… a observar a cidade do quarto andar dessa gaiola entre esquinas. E o que eu vejo?

1 — pequenos e grandes chumaços de nuvens — a vagar por cima dos prédios. Não procuro por desenhos como no templo da minha infância. Gosto imenso de observar a força-velocidade e a direção do vento…
formigante e cheia, mas de sonhos.
assedia, mas é o espectro.
fluem, mas são os mistérios. *

2 — o crepúsculo… que é esse grande espetáculo. Um verdadeiro cair de panos. O meu momento favorito do dia. Quando percebo as sombras se esparramando em todas as direções. Há um instante pequeno-curto-breve em que tudo para, se cala. Como se alguém reiniciasse o sistema do mundo-vida. E nunca se repete… é sempre novo-inédito e impressionante…
Longe do mundo ácido, longe da multidão impura,
longe dos juízes curiosos *

3 — As ruas em movimento… o sol de outono e sua cor mais quente reinventa o cenário. Pinta uma tela surrealista com sombras e formas que se reinventam a cada piscar de olhos… um versar de Baudelaire e o flâneur parisiense que São Paulo tomou emprestado no começo do século passado.
Formigante cidade, cidade cheia de sonhos
Onde o espectro em pleno dia assedia o passante…
Os mistérios por todo lado fluem feito seiva. *

4 — outras gaiolas urbanas… fechadas-abertas-inquietas. Vez ou outra um movimento abrupto-ligeiro. São pássaros humanos confinados em suas próprias geografias. Espio-aprendo… e invento o que não sei. A desordem dos post its, no entanto, me aborrece… e eu vôo para outra janela

5 — Vidas se dissolveram à luz do meio-dia… um diálogo demorado acontece na janela ao lado, enquanto as outras permanecem no seu precioso minuto de silencio. Em tempos de pandemia, toda notícia que chega repentinamente nos leva a morte… dos outros ou a nossa própria.

6 — a tarde cair e a noite se esparramar por todos os cantos do bairro-cidade, misturando todas as formas conhecidas. Transformando-as em espectros-mistérios — elementos comuns à cidade — que encontram pouso em cada uma das janelas dos prédios-casas que a noite obriga a se acender para modelar a vida urbana como conhecemos num outro plano — quase alternativo.
As casas pela bruma alongadas na altura
Simulavam os dois cais de um rio em cheia
E em que, cenário semelhante à alma do ator
Uma névoa suja e amarela inundava todo o espaço. *
Ale Helga — Lucas Buchinger
Mariana Gouveia — Obdulio Nuñes Ortega
| * trechos de flores do mal de Charles Baudelaire |
Belo belo
Interessantes imagens. Um olhar raro sobre a cidade.
Continuo tb com o mesmo ritual do confinamento. É difícil para mim usar a máscara, mas não a esqueço. Recordo as brincadeiras de respirar fundo, buscar algo no fundo da piscina e voltar à superfície.
Infelizmente, muitos não estão nem aí.
Força!
Conhecia “tua” outra janela… adorei essas novas, mas é como se eu já estivesse aí, em cada canto desse espaço.
Grazie pela confiança e por me levar através de teus olhos.
Bacio
Lunna, gostei de tudo, mas especialmente da postagem dos “post its”. Antigamente, talvez eu também me incomodasse com a desordem na colocação dos papelzinhos na janela. Hoje, a chamaria de ordenação criativa…
A natureza agradece imensamente pelo distanciamento social, essa quarentena ajudou nossos ecossistemas se recuperarem dos estragos feitos pelo ser humano. Achei as fotos fantásticas.
Bacio.
Meus dias de confinamento seguem a mesma rotina e quando tenho que sair também me assusto com o comportamento das pessoas (inclusive já vejo muitos passeando por aí sem máscara). A verdade é que é um alívio voltar pra casa, me fecho no meu mundo e fico assim, observando pela janela outras formas de se ver o mundo. Adorei as fotos, dizem muito sobre o nosso momento.
Os post its que te aborrecem… Achei-os curiosos. Dão espaço para muitas histórias sobre seu dono
Belo post, Lunna. Poético e reflexivo!
Nossa, sair tem me causado um estresse e tanto! Eu volto pra casa exausta física e psicologicamente… mas quando enfim em casa, tendo também belas vistas (o bom de morar no lado mais “roça” da cidade *-*), me trás uma paz ❤
Abraços (de longe porém verdadeiros) e que sua semana seja iluminada de sol e esperança!
Por aqui nem ao supermercado estou indo já que marido obrigatoriamente sai todos os dias!!! Sua janela permite acompanhar o desenrolar dos dias, a minha é tudo parado e silencioso, com exceção de alguns passarinhos que mudaram-se recentemente ou sempre estiveram e nunca percebi.
Abraços
Adorei a foto 2 e é sempre bom perceber como cada um tem lidado com esse momento. Tempos estranhos, não? Saio muito pouco e quando saio … a mente rotaciona a ponto de ferver. Realmente, em meio ao caos é possível curtir alguns momentos de novidades agradáveis(infelizmente, nem para todos …) e caminhando no quintal, percebo um céu mais limpo, vejo mais estrelas e até a Lua parece mais bela … em fim, que cada um encontrar forças para passar por esse período da melhor forma possível.
Eu adoro seus posts de 6 on 6. Sua rotina atual é muito parecida com a minha: sair só para ir no supermercado/farmácia e a volta para casa é um verdadeiro ritual de limpeza. Felizmente (muito felizmente mesmo!) no final do ano passado me mudei de um apartamento para uma casa e aqui tenho um bom espaço a céu aberto – que me permite contemplá-lo e é também um lugar onde a Shiva – a cachorra – pode correr e brincar. Tem até um pseudo jardim na frente, que requer alguns muitos cuidados mas já é um pedacinho de verde. Eu amei todos os ângulos e vistas da sua janela. Como amo olhar e fotografar o céu, a primeira e a última foto foram as que mais gostei. E devo dizer que concordo integralmente com você, o crepúsculo é o grande espetáculo, também é minha hora preferida do dia e por mais ocupada que esteja sempre paro para contemplá-lo.
Que temática perfeita para os tempos que estamos vivendo.
Adorei todas as fotos, mas sem dúvidas a que mais me tocou foi a das janelas onde é possível perceber um humano solitário em sua janela. Achei muito simbólica.
Parabéns pela sensibilidade em cada foto e nos textos que as acompanham.
Bacio!
Ver os posts do projeto 6 on 6 me dá uma saudade e uma vontade de voltar a participar ❤ talvez ano que vem…
Bom, quanto às suas fotos, estão lindas! Minha favorita foi a última, pois amo os tons do fim da tarde. Esse tema me lembrou de um texto que eu li há muito tempo, mas que eu amava: A Arte de Ser Feliz, da Cecília Meireles.
Eu não resisto aos posts com fotos. Realmente as imagens são algo que me fascinam demais e as suas ficaram maravilhosas.
O mundo pela janela e cada sensação que passamos mesmo estando dentro de casa e há tanto tempo.
Post maravilhoso!!
Bacio
Que fotos belas! Não consegui participar dessa última proposta – Fotografei, fotografei, fotografei e não achei nada interessante nas minhas janelas – Apenas o muro amarelo da minha casa e as plantas colocadas nele em telhas – Que seriam belas se o gato da vizinha não tivesse causado o caos nelas e se minhas janelas não fossem teladas para impedir a entrada de pernilongos (Sim, as telinhas verdes atrapalharam bastante as fotos), enfim, gostei de ver através das tuas janelas e amei as fotos e os trechos que escreveu para acompanha-las.
Beijos!
Somos nós os engaiolados! Muito bem visto!
Mas as fotos transmitem paz, a paz de quem as tirou e procura um sentido nos dias.
Com poesia, claro.