“Às vezes tudo é tão estranho
que não basta continuar a andar”.
Alfonso Barrocal
Julho chegou com fortes rajadas de vento e incalculáveis estragos abaixo da linha do Equador. O ano está disposto a não nos dar folga e eu sinto falta dos dias de julho que trago na memória. Tempo de pausa — uma espécie de intermezzo na realidade. Dias aquecidos, mais longos e lentos.
Eu passei boa parte da minha infância sob trilhos… visitei cidades, conheci países. Me apaixonei por arquiteturas incríveis, culturas fascinantes e amei incondicionalmente os estranhos nos quais tropecei.
Gostava imenso de observar as chegadas e partidas nas plataformas da estação. Sempre senti imenso fascínio pelo movimento humano de esperas que se encerram em abraços demorados… e das que se iniciam com o apito rude da locomotiva.
Tenho para mim que a escritora que sou, começou a existir ali… enquanto embarcava em frases alquebradas, diálogos aleatórios. Certa vez… vi um rapaz correr ao lado do trem, mantendo a mão no alto — como se quisesse atrair a atenção de alguém — sem sucesso. Gesticulava e pelo mover dos lábios, parecia chamar por alguém. Me pareceu um gesto tão difícil-definitivo que ficou vivo em meu íntimo, enraizado na pele-alma.
O trem avançou forte com seus sons de metais a riscar o trilho e ele sucumbiu… desmoronando gradativamente como um prédio com seus muitos andares, vindo abaixo após o mecanismo ser acionado.
A multidão na plataforma o engoliu e a distância o fez desaparecer de meus olhos. Procurei por ele em vão. Mas, de certa maneira, eu continuava a vê-lo — do lado de dentro. A cena não se dissipava. Seguiu viagem comigo… ultrapassando cenários inteiros-cheios. O vi em diversos olhares, em outras plataformas… enquanto chegadas e partidas — encontros e desencontros… se repetiam.
Quando um jovem vendedor de amendoim salgados — em saquinhos feitos a partir de uma estranha dobradura — bateu no vidro, pensei ser ele. Não era e eu não queria amendoim. Cruzei os braços a frente do corpo enquanto tentava imaginar uma história para aquele personagem solitário…
Conclui três paradas depois… que ele era apenas mais uma pessoa atrasada no mundo. Alguém que chegou tarde demais… e perdeu a oportunidade do gesto, da palavra — ficou para trás-depois-nunca-mais… para sempre.
Ainda hoje, sempre que ocupo um lugar no Comboio, olho pela janela e procuro por ele em meio à multidão. Aguardo até ouvir o som dos metais no trilho… o encontro em outros olhos-boca-mãos-braços… e aceno com o atraso de uma vida inteira.
Lindo e sensível texto.
Que este rapaz tenha, em algum momento, conseguido retomar o que desejava fazer naquele momento em que correu em vão.
Eu também senti falta de uma música, concordo com quem disse que faltou a trilha sonora. Você nos acostuma com essas suas manias, agora nos aguente.
E eu me identifiquei muito com o rapaz atrasado…estou sempre a chegar atrasada. Sempre perco a hora, o trem, o ônibus. E sempre fico sozinha na estação ou no ponto.
Bisous!
Lunna, estou suspirando aqui.
Mas eu senti falta de uma trilha sonora, sabe? Você sempre deixa uma música para acompanhar a leitura e nesse caso, merecia porque as suas palavras me lembraram de uma cena da minha vida parecida com esta, quando eu era adolescente e precisei me despedir do meu namorado, que hoje é o meu marido.
Nossa como aquilo nos doeu. Eu e ele chorávamos feito crianças. Ele dentro no ônibus e eu do lado de fora. Os hormônios a flor da pele (risos).
Hoje já vivendo juntos, me lembro sempre de agradecer pelos nossos momentos, pois, houve um tempo que era muito difícil. Eu contava as horas para estar com ele. Será que a história deste rapaz era parecida? Se bem que nós conseguimos dizer tudo que importava para nós. Espero que ele tenha tido uma segunda chance
Bjks.
Caríssima, que lindeza! Seu texto é tão rico, que enxergo o rapaz na plataforma…que triste
Chegadas e partidas me remete a um programa que eu AMO e que me faz chorar sempre (e olha que eu sou péssima para chorar..), um programa que leva este nome, com a Astrid, no GNT. Eu adoro assistir
Bacio
Oi Lu,
Que texto mais lindo! Confesso que me vi um pouco nele. Também amo conhecer lugares diferentes e me apaixono por cada coisa nova que me é apresentada. E muitas vezes vezes em minha cabeça fico revivendo todos esse momentos!!! Amei seu texto 🙂
Ah, eu também senti falta de uma daquelas músicas maravilhosas que você coloca (a maioria eu nem conheço e já anoto para ouvir) que você indica no final do post. Faz toda a diferença e nessa sua narrativa, ficaria perfeito. Mas mesmo sem o som foi de uma preciosidade *-*
O título do texto me encantou. Amo muito quando os escritores fazem analogia entre um objeto/situação e com o que acontece dentro da mente das pessoas. Eu vivo fazendo isso, e também adoro inventar história mirabolantes para desconhecidos 🙂
Seu texto me fez lembrar de uma época relativamente boa quando eu visitava sempre os trilhos e vagões que tem aqui onde eu moro. Tem uma estação em ruínas que sempre visito e fico imaginando as chegadas e partidas. É triste, o mato está crescendo sem controle, quase não dá para ver os trilhos, mas eles ainda estão por lá. É um lugar muito bonito, mesmo abandonado. Imagino como era no tempo das ferrovias, dos embarques.
Adorei o seu texto e amei as lembranças que provocou.
baci
Uau, o seu texto me tocou muito. Fiquei imaginando a cena do rapaz correndo em vão, tentando alcançar o inalcançável. Não acho que tenha sido um simples atraso (ou talvez seja mais poético pensar que não). São cenas como essa que marcam e ficam na memória, viagens da mente e que te ajudaram a moldar a escritora que és.
De repente, ele estava lá por você, apenas para te fazer reconhecer o seu ponto de partida e ficou para trás para pontuar tudo isso. Pronto, já estou viajando aqui.
bjs
Você deve ter muita história para contar nessas idas e vindas de trem, não é mesmo ?
Eu infelizmente nunca tive a oportunidade de andar em um (nem em metrô, pois moro em cidade pequena e aqui não tem), mas eu ando muito de ônibus, tanto urbano, quando para ir à faculdade em outra cidade ou para ir à outras cidades à passeio.
Também tenho várias histórias nessas idas e vindas e mesmo indo para a mesma cidade, toda a semana e fazendo o mesmo trajeto, ainda gosto de olhar pela janela e ver as mesmas casas e as mesmas paisagens, mas sempre vejo pessoas diferentes seguindo com suas vidas enquanto estou indo estudar em uma cidade à duas horas longe da minha.
É muito legal ver essas coisas e melhor ainda se estamos acompanhados de uma boa música!
Amei seu texto ❤
Beijos
http://invernode1996.blogspot.com.br
Fui transportada para estação do texto.
Bonito, sensível e leve.
Bacio.
Oie, Lunna!
Que texto lindo e sensível!
Fiquei tão envolvida com a sua narrativa que imaginei a cena e o rapaz solitário sendo engolido pela multidão. Quase acenei a ele. Deu um sentimento que não sei descrever no coração. Aquela sensação das coisas que passam e que se vão, às vezes nos lembramos depois, outras não.
Momentos da vida!
Bacio
Eu li, sorri e nem sei o que dizer…
Farei então uma breve anedota de meio de caminho para dizer que adorei o layout novo. Gostava do antigo, mas esse já me ganhou
Voltando ao texto, parece que li um livro inteiro nessa crônica (seria crônica mesmo? Sempre me confundo), comecei, vivi a história ali no meio com o rapaz e terminei com aquele afago de que, às vezes, algumas coisas não foram mesmo feitas para dar tempo.
xoxo
Rê
Mas um texto cheio de emoções nas linhas e entrelinhas. Você tem uma prosa muito atraente, elegante.
Essa história de chegadas e partidas mexe bastante comigo, apesar de nunca ter vivenciado na vida real uma situação assim. É cena de filme, novela. Algo que eu ouvi dizer.
Eu me compadeci do rapaz atrasado e me remeteu a outros tipos de atraso, não físico, mas de percepção, de momentos, de deixar passar a chance de dizer ou fazer alguma coisa.
P.S.: Adorei o layout novo!
Sempre fui fascinada por trens, plataformas cheias, chegadas e despedidas – Fascínio esse que vive em minha imaginação depois de leituras e filmes pois eu mesma nunca tomei um trem – Meu máximo é o VLT ou o metrô.
Espero que um dia, de alguma forma, esse teu texto (lindo texto, como sempre), um dia chegue aos olhos do rapaz da plataforma e que ele sinta um quentinho no coração ao imaginar que foi levado através do mundo, imortalizado naquela cena, naquele momento – Mesmo que ele não tenha como saber se é ele ou outro rapaz qualquer num momento semelhante.
Beijos