09 | ‘poemas canhotos’…

Algumas coisas não acontecem… como esse domingo azul, sem nuvens e com todas as coisas da cidade nos mesmos lugares de sempre. Eu preparei uma xícara de chá e fui me sentar no canto do sofá. Coloquei a minha playlist clássica para tocar e mergulhei nas páginas de ‘poemas canhotos‘ — o último livro escrito por Helder: “esses poemas que chegam / do meio da escuridão / de que ficamos incertos / se têem autor ou não / poemas às vezes perto / da nossa própria razão / que podem nos fazer ver / o dentro da nossa morte“.
poemas canhotos foi presente da amiga-portuguesa Manuela, que escolheu um dos que faltavam em minhas prateleiras para me enviar. A capa vermelha esconde treze poemas — número denso-forte-definitivo… quase um testamento. Em edição única — como determinou o autor-poeta. Se a vida se esgota… é poético propor o mesmo ao livro que se dedica e escreve.
Mas é estranho pensar que tudo que restou do homem é esse espólio que agora pertence a outra pessoa que decide como será publicado nesse pós-vida… poesia-poeta-homem. Respiro fundo! — tento me contentar com o que tenho em mãos — toda uma vida em versos. E isso é tão pouco, mas é tudo-tanto-muito… o mundo de Helberto Herder! — que não era um homem-poeta de multidões. Não visitava e era visitado por poucos. Figura de passo estreito, a percorrer as calçadas de cimento. Herberto não tinha por hábito conjugar o verbo acontecer.
Eu leio Helder com o entusiasmo de quem bebe uma xícara de café, em pequenos goles. Faço pausas e depois do último gole, observo atentamente o fundo da xícara. Não busco pelo futuro ali. Busco pelo silêncio, como quem medita e volto as páginas para um novo poema:

“em boa verdade houve tempo em que tive uma / ou duas artes poéticas / agora não tenho nada: / sento-me, abro um caderno, pego numa esferográfica e traço meia dúzia de linhas”

Helder não salva o mundo! Mas, socorre a minha realidade… atormentada por números com os quais não sei lidar. Me afasto das coisas do mundo-vida e volto ao livro-páginas-versos. Constato que uma das coisas que me agrada em ‘poemas canhotos’ é que os poemas estão soltos nas páginas. Não há título a nortear o olhar… estão todos confinados à última página, em sequência, presos. E quando os alcanço, já tenho um mapa próprio e sei o que não-aconteceu, como esse domingo.


b.e.d.a — blog every day august —
Adriana Aneli — Claudia Leonardi — Darlene Regina
Mariana GouveiaObdulio Nuñes Ortega Viviane Almeida


Publicado por Lunna Guedes

Sou sagitariana... degustadora de café. Figura canina e uma típica observadora de pássaros, paisagens, pessoas e lugares. Paciência é algo que me falta desde a infância. Mas sobra sarcasmos para todas as coisas da vida que fazem mais barulhos que cigarras nos troncos das árvores. Aprecio o silêncio e falas cheias, escreve-se em prosa por apreciar a escrita em linha reta. Tenho fases como a lua... sendo a minguante a minha preferida!

13 comentários em “09 | ‘poemas canhotos’…

  1. Confesso que faz anos que eu deixei de me dedicar de verdade a livros de poemas. Semana passada comecei a ler “outro jeitos de usar a a boca”, mas ainda não terminei. Quero retomar o hábito de ler esses (costumeiros) pequenos textos que, muitas vezes, carregam grandes significados ❤ Eles realmente podem servir de descanso entre leituras.
    Adorei a resenha, moça. Muito legal você ter ganhado o livro de uma amiga portuguesa!
    beijos.

    1. Por isso que o título do livro parece conter qualquer coisa de perfeição. E me parece que a Lu o escolheu com cuidado para esse dia. Embora eu saiba que ela não comemore o dia dos pais na presente data. Acho que é em março.
      Mas está muito difícil esses dias que não acontecem e que me faz pensar no Pessoa.

      bisous

      1. Concordo consigo. A Lunna não faz nada à revelia dos dias, Lua Nova. Pessoas, como eu o chamo, é perfeito para todas as horas.

  2. Oi Lunna!
    Preciso começar relembrando (porque já devo ter lhe dito em algum momento), que não sou das maiores leitoras de poesia. Esse ano que resolvi me aventurar em alguns autores contemporâneos e, a julgar pela rápida pesquisa que me revelou que Helder nasceu em 1930, minhas leituras têm sido um pouco mais contemporâneas que Helder, por assim dizer. Talvez essa frase nem tenha feito sentido, mas vida que segue, não é mesmo!?
    Por tudo que vi aqui e acolá enquanto pesquisava, somando à leitura de sua expressão sobre os poemas, em como lhe tocam e dialogam, em como é degustado de pequenos goles de café. Ainda que já saiba do meu gosto acerca do café, fiquei apetecida. Anotei o nome para pesquisar os livros, mas adoraria sua sugestão de por onde “começar” a traçar essas tais meia dúzia de linhas enquanto leio.
    xoxo

  3. Não conhecia o poeta, mas gostei dos versos. Também não estou sabendo lidar bem com os números ultimamente. E me assusto com quem diz saber e chama essa realidade de novo normal. Talvez seja mesmo o novo normal, talvez esses números sejam a forma da natureza controlar nossa população, já que até então não tínhamos predadores, mas são pensamentos cruéis demais para ser naturalizados com um sorriso, como vejo pessoas fazerem. Difícil, melhor voltar para as páginas de um bom livro e o aconchego de uma xícara de chá- café ou chocolate quente!

    Beijos

  4. Carissima
    Gosto de ler poesias, mas confesso que não conheço muitos poetas, principalmente portugueses.
    Não conhecia a poesia de Herberto…mas fiquei curiosa

    Bacio

  5. Que delícia, Lunna! Confesso que me entusiasmei mais pela possibilidade da Leitura com uma xícara de café em mãos, mas a possibilidade de ler em meio a uma playlist, um clima ameno (que foi como visualizei) e o chá, trouxe mais poesia à proposta.

  6. Eu gosto muito de poemas e quando estou com um livro assim em mãos também tenho meu ritual, não leio de uma vez só, gosto de sentir, degustar.
    Não conhecia Helberto Herder e entrou para os escritores que quero experimentar.

    Bacio

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