escrever poemas não é boa maneira de atordoar os
tempos do verbo,
não é o mesmo que meter a cabeça num buraco abissínio,
nem perder algures uma perna e lembrar-se depois de perder ainda a outra:
ninguém ganha assim uma barra de ouro,
ninguém glorifica o corpo queimando-o com barras de ouro,
ninguém transforma assim numa chaga a beleza humana,
tórax e membros e a cabeça por entre a espuma:
e como só de pensá-lo o corpo avança!
escrever,
deixar de escrever,
escrever ou não escrever não é acabar assim tão depressa
quanto se pensava,
um poema ou dois ou cem não é nunca até ao fim,
escrever poemas não é apenas vou ali e já volto à morte do
costume:
colinas tão próximas como se guardassem os nossos próprios
olhos,
e logo depois leva-as o vento para adjectivos longínquos,
tudo tão prodigioso que se não entende nada:
uma rosa é uma rosa é uma rosa — disse ela em inglês
(há quantos anos li isso!)
(há quantos anos fiquei bêbado desse talhão de roseiras!)
a rose is a rose is a rose et coetera
— mudou-me a vida?
oh faminta ciência da paciência!
coisas bem menores mudaram para sempre a minha vida,
e então porque não a mudaria uma rosa compactamente
múltipla?
morrer por uma rosa é que fia mais fino:
que fabuloso fio em que roca e em que fuso,
que segredo do mundo
fico tão feliz quando vejo como os golfinhos são inteligentes
tão sutis no súbito entendimento das intenções segundas
que temos em relação a eles
se lhes dessem a ler bons poemas maior proveito teriam
aqueles que os escrevem
do que têm com A ou B
eu cá por mim estou certo de que nenhum golfinho diria
a propósito da morte de Deus e da glória do poema onde
morre
as palavras turvas que me transmitiram algumas bocas
maometanas
uma dessas bocas foi a mesma que disse
viva o profeta!
quando decretaram a morte de Salman Rushdie
por causa dos Poemas Satânicos
parecia Lisboa nas trevas católicas
mas não ele felizmente não estava à mão de matar
até aproveitou a confusão e mudou de mulher
e na Dinamarca para aquecer um pouco
a malta gozava fazendo caricaturas sacrílegas dos ayatolas
mais um pouco e salvava-se o mundo
b.e.d.a — blog every day august —
Adriana Aneli — Claudia Leonardi — Darlene Regina
Mariana Gouveia — Obdulio Nuñes Ortega — Viviane Almeida
Que intenso. Bateu,atordoou, me perdi pelas linhas e voltei. E é tão bom me atordoar de palavras tuas!
Beijos!