Um grande escritor de ficção cria — por meio de atos de imaginação, por meio de uma linguagem que parece inevitável, por meio de formas vividas — um mundo novo, um mundo único, individual: e ao mesmo tempo reage a um mundo , o mundo que o escritor compartilha com outras pessoas, mas que é desconhecido ou mal conhecido por um número de pessoas ainda maior, pessoas confinadas e seus próprios mundos: chamem a isso história, sociedade, o que quiserem.
Susan Sontag in; ao mesmo tempo
E lá vamos nós para o segundo capítulo desse ano. Li, dias atrás, que o tempo está passando mais depressa, na Terra. Confesso que ri. Não sou o tipo de pessoa que consulta as horas, os dias, as semanas… os meses, tampouco. Saber em que ano estou já me parece ser o suficiente. E também não sou o tipo de pessoa que repete frases: esse ano já deu… próximo! Eu sou do tipo que se perde com facilidade de todos esses mecanismos.
Antigamente eu sabia quando era sábado… dia de me sentar a mesa — da cozinha —, e repetir certos rituais de escrita. Algo que eu tentei repetir no ano que passou — o fatídico 2020. Mas não foi tarefa fácil. Algumas vezes eu me assustei com o calendário a dizer em voz alta… o dia de Sábado. Não havia referências. Resultado? Foi de susto em susto que escrevi aos sábados, na varanda, dentro de algumas manhãs-tardes-noites… sem critério algum, a não ser o que me move há tempos: escrever por escrever somente.
Antigamente eu também sabia quando era quinta… dia de bolo. Meu corpo inteiro reagia, antecipando o aroma no ar, os movimentos na cozinha e a temperatura do forno. Me sentava à mesa do café da manhã, com a certeza na pele… hoje é dia de bolo.
Faz algum tempo que a vontade de untar a fôrma e combinar ingredientes aparece antes ou depois… e eu digo em voz alta, como quem se repreende: hoje não é quinta. E o riso ecoa lá do fundo da memória.
Os cientistas dizem que a Terra está a girar mais rápido. Um dos dias de janeiro não teve as vinte e quatro horas. Tempo esse que a Terra leva para cumprir o seu movimento de rotação. E sabemos disso graças a precisão dos famosos relógios atômicos, desenvolvidos a partir da década de 1940 — num tempo em que ninguém sonhava que ao adentrar o século XXI estaríamos a discutir terraplanismo. Talvez seja esse o motivo do giro acelerado do nosso Planeta… E ao pensar nisso, o olhar escapou do texto-tela e foi parar na prateleira. Susan Sontag sorriu o seu ao mesmo tempo — e a mão buscou pelo livro.
E vamos de Fevereiro… e suas festividades canceladas nesse ano que ainda não se fez em mim. Sei apenas do sentido dos passos e da falta que sinto de certos movimentos dos pés pelas calçadas do bairro. De sair sem destino no meio da tarde — com um livro em mãos —, e me perder entre esquinas-páginas-autores-poemas.
Um amigo me enviou uma mensagem pela manhã para desejar-me que fevereiro faça jus ao seu nome e que seja febril. Finalizou dizendo: vai passar! Pareceu um mantra… tentando convencer-conformar. Mas a realidade do mundo dos homens parece resistir ao movimento mais rápido da Terra… algumas coisas estão estacionadas no mesmo lugar de ontem.
E o dia seguinte acena, esperando que alguém levante a mão no ar… e acene de volte!
Oi, Lunna! Tirei esse texto para uma lição de vida! Preciso me policiar com alguns vícios que de fato muitas vezes me assombram pelas palavras! Sabe que você tem total razão?? O dia seguinte acena! Precisamos estar mesmo dispostos ao que der e vier, sem focar apenas no que deu errado. E com livro na mão, simm, conseguimos romper!
Baccio
Irônico saber que o tempo está correndo mais rápido vendo tudo não só parado, mas também andando pra trás… Parece que quanto mais a gente tenta seguir, mais é puxada pra realidade de que a Terra – ou pelo menos os humanos – insistem na rotação contrária, né?
Nunca fui muito de sair andando sem rumo como você, mas (e agora sim, como você) tenho sentido saudades disso… De botar os pés na rua sem medo dos problemas que ela vai trazer pra nossa vida. Saudades de viver, e que o mantra do seu amigo nos ajude a conquistar isso o mais breve possível!
Lunna vai passar, mantra repetido por todos nós.
2020 o ano que não vivemos, 👀 voou. Assustei quando já era Natal.
O “tempo está passando mais depressa, na Terra”… é fato. Sempre passou, só não tive tanto tempo livre pra pensar. Adorei sua reflexão. Abraços
É cara mia, ontem mesmo conversávamos sobre essa falta de noção da passagem dos dias. Entro em fevereiro tentando fixar minha atenção as datas cronológicas para não me perder de vez rs. Mas talvez isso seja bom para fugirmos um pouco dessa loucura que tem sido nossa realidade. Bacio
De tanto acelerar, a gente anda causando palpitações no mundo…
Ainda não senti 2021. Já me perdi várias vezes na data, no mês e até no ano. Afe.