Minha escrita é mais ou menos como eu… uma criatura indócil que precisa de movimentos dispares-urbanos-contrários, qualquer coisa de passado-presente-e-futuro devidamente misturados e um canto seguro-confortável para existir-acontecer — Ser.
Não consigo escrever em lugares comuns… organizados para esse fim. E sei disso graças ao fracasso após inúmeras tentativas.
Na casa onde cresci, havia uma biblioteca-escritório… com mesa de madeira feita unicamente para esse fim. Havia prateleiras bem merecidas, espalhadas pelas quatro paredes a equilibrar centenas de livros… quadros de artistas conceituados e objetos cuidadosamente escolhidos para dar ao espaço-cenário um ‘toque especial’. Nunca escrevi uma única linha ali. Era tão aristocrata-imprópria-inadequada.
Quando ultrapassava a porta, sentia esvaziar-me… era um fantasma em busca de paredes brancas, onde habitar. As palavras fugiam da pele, da ponta dos dedos, da mente-memória… atravessavam a rua e se escondiam atrás de um poste a zombar dos meus vazios.
Gostava mesmo era da mesa da cozinha, dentro das manhãs de sábado ou depois do jantar, quando todas as coisas eram devolvidas ao seu lugar, restando o som da chaleira a apitar a água quente e a xícara a me servir de chá. Nessas horas brotavam frases prontas em minha mente e era tão simples poluir o papel…
Ao chegar a São Paulo… o primeiro pouso que encontrei para a minha escrita foi a Biblioteca Mário de Andrade e seu imenso salão, povoado por mesas brancas e enormes janelões… por onde passava a luz do dia e a realidade da cidade.
Era o que precisava… do lado de dentro acontecia um silêncio impressionante. Dezenas de pessoas se apropriavam da mesa para pesquisar ou apenas ler um livro qualquer. E do lado de fora — por mais que os sons não atravessassem o vidro — era possível ouvir os ruídos da cidade: freadas bruscas, restos de diálogos, passos, gritos, uivos, discussões ácidas, apitos sonoros dos ‘marronzinhos’, o som da britadeira a romper o concreto…
Escrever ali era um exercício bastante simples… bastava me sentar, espalhar os meus poucos pertences por cima da mesa e escolher os livros que me acompanhariam (porque eu nunca soube escrever sem livros por perto. É o meu refúgio para os instantes de quebra).
Mas, para se conseguir um livro tinha que se submeter a insólita burocracia do lugar. Preencher um formulário de requisição… com os dados pessoais, o título do livro e sua localização. Preciosas informações escondidas em um computador tão antigo quanto a ‘velha Mário’ — como era carinhosamente chamada a Biblioteca… que estava morta, mas não enterrada. Pelo que se via, no entanto, faltava pouco… o estado físico do prédio era deprimente. Pisos rachados, paredes trincadas, infiltrações por todos os lados, mobiliário quebrado, falta de pessoal. Tudo acontecia numa espécie de improviso… através do conhecido e estranho: ‘jeitinho brasileiro’.
Uma suposta reforma era anunciada pelos quatro cantos do lugar… o que fazia o fantasma do velho Mário de Andrade e o espírito de Ranganathan gargalharem de dentro da velha torre do prédio, onde ficava o acervo da Biblioteca — zona proibida para nós leitores-frequentadores.
Mesmo com toda o caos da ‘Mário’… descobri preciosidades ali: ‘cartas a Anita Malfatti‘… e o delicioso livro ‘80 poemas de Emily Dickinson‘, com tradução de Jorge Sena.
Sentada em suas velhas mesas… escrevi vários ensaios imaturos-amadores. Participei de uma oficina de poesias, que me fez perceber que não sou e nunca serei poeta, apenas uma eterna admiradora do estilo. De um laboratório de Teatro, que desorientou alguns conceitos enraizados em minha anatomia errática. Fiz alguns amigos surreais… e constatei que Bibliotecários são criaturas incríveis, sempre dispostos a contar histórias absurdas que lhes aconteceram no exercício de suas funções… e a te ajudar, quando percebem que você é um ávido leitor.
Às vezes, quando passo em frente a ‘nova Mário’… penso em entrar e ocupar uma de suas poucas mesas. Mas, pesa contra… a ausência de café. Não se pode levar um copo-garrafa com o líquido companheiro de todas as escritas. Um hábito que se estabeleceu como necessário nos últimos anos. É parte importante do ritual do qual sou feita…
Apenas aceno e recordo os dias em que tudo que levava comigo era um velho caderno de capa vermelha e a velha lapiseira — parceira de tantos textos — que, às vezes, eu deixava sobre a mesa — sem perigo algum —, enquanto ia ao Bar do Estadão degustar minha dose preciosa de ‘ristreto al vetro’… e de diálogos retalhados que, às vezes, resultava em ensaios-amadores, tão laboratoriais quanto eu.
Hoje, escrevo dessa varanda e sua paisagem de Hopper… gosto do cenário, da mesa de madeira e da cadeira. Sou dependente do meu notebook e das cenas que vejo nas janelas que se equilibram por cima da Avenida com nome de pássaro: rouxinol… daqui, escrevo premissas e esse texto que chega ao seu ponto final, depois de viajar-vagar pelo tempo-lugar-espaço. Fim.
Abril [entre tantas coisas] é o mês do B.E.B.A e lá vamos nós…
e eu terei companhia nessa aventura diária
Adriana Aneli – Alê Helga – Claudia Leonardi
Mariana Gouveia – Obdulio Nuñes Ortega – Roseli Pedroso
Eu não tenho um lugar fixo para escrever. Ou não tinha. Era comum escrever enquanto trabalhava. Feito cigano, cada dia em lugar. Atualmente, costumo escrever no sofá da sala ou na mesa da cozinha. Porém, não tenho um horário específico, mas questão de oportunidade. Isso não é o ideal, mas é o que tenho para a atual situação.
Lunna, fiz estágio aos sábados na Mário de Andrade. Foi divertido e me surpreendi com usuários e bibliotecários. Tenho carinho especial por essa instituição. Saudades de circular por ela mas, como você, preciso da companhia de um bom café. Divido meu tempo entre escrever próximo da janela – como estou agora – e no espaço que desenhei e mandei fazer. Ah, lembrei de outro espaço que gostava de frequentar quando fiz faculdade: Centro Cultural São Paulo, na Vergueiro. Era um caos que amava fazer parte!
Nunca fui na biblioteca Mario de Andrade!!! Morro de vontade…
Essa mesa não parece com você! Imagino caderno e folhas pela mesa e um bom lápis…
Abraços
Qualquer lugar, papel serve. Não deixo escapar aquele desejo que explode. Deixo fluir. Adorei seu cantinho Lunna😉. Abraços