Na infância… o tempo não existe. Talvez por isso, as pessoas, em geral, sintam tanta falta daquela fase menor. O tempo não é ontem, hoje, amanhã… muito menos agora — o mais inexistente dos modelos. É coisa dos adultos, que anunciam a hora de acordar, almoçar, ir para a escola, brincar e dormir.
Existe tempo para tudo… e você vai de jaula em jaula. Mas, não se dá conta que está preso a um sistema inventado para comandar nossas ações.
(abre parêntese)
O único momento em que o tempo me incomodava quando menina, era na casa do nonno… de pedras, com sala imensa, cozinha aquecida e quartos no andar de cima, com vista para o vale.
“não pare, não pare, não pare”.
(fecha parêntese)
Eu saía pela casa e encarava de frente a figura viva. Não era um mecanismo — era uma figura viva-pulsante. Embora seus sons, fossem de metal… se tratava de um espécime humano. Eu subia no velho sofá de couro mostarda para espiar de perto, aquela engrenagem perdida na história. Era antigo — diziam. Para mim, no entanto, era uma máquina do futuro. E quando disparava suas engrenagens, badalava tão alto, que nem mesmo tapando os ouvidos… conseguia evitar a melodia do lado de dentro. Feroz e impiedosa. Me lembro de me escolher toda… e ser “salva” por um dos adultos da casa, que também vagava pela noite, assim como eu. Ele me colocou no colo e acalentou: “tudo vai ficar bem, pequena. Mas, o que faz acordada a essa hora da noite?”
Não gostei da voz, do toque, do colo. Não gostei do homem e seu cheiro de cerveja-cigarro… e depois de me debater, obrigando-o a me soltar… corri pelas escadas, escalando os degraus, voltei ao quarto e me afundei na cama, cobrindo a cabeça, o corpo, a alma. Até me esqueci das badaladas sonoras do signore do tempo.
Naqueles dias eu já sabia que quando havia medo, era preciso respeitar. Nada era por acaso — essa medida que inventaram para nos distrair.
Esse texto é parte integrante do aos sábados (diário das 4 estações)
Nesse Agosto temos b.e.d.a — blog every day august.
Adriana Aneli — Claudia Leonardi — Darlene Regina
Mariana Gouveia — Obdulio Nuñes Ortega — Roseli Pedroso
Depois desse texto, no livro… o relógio aqui, tão diferente do carrilhão de tuo nono, ganha broncas minhas sempre.