01 | Está é minha carta ao mundo…

À você,

Sentei-me cá, nesse canto com o sol a dourar as cortinas e criar sombras pelo chão enquanto a manhã escapa do meu calendário. Preparei um café… é o meu primeiro movimento ao acordar, antes de tudo (ou quase tudo). Ao tragar do aroma, fecho os olhos e sou possuída por muitos ontens. A mente, às vezes, é esse looping que exibe cenas inteiras, de uma só vez.

Alguma coisa sempre escapa… mas, eu tento me manter atenta para não deixar passar nada. Aprendo muito com os erros cometidos. Divirto-me no dia seguinte ao perceber que poderia tê-los evitado… e recordo a fala de C., respire antes de agir, não se dissolva, não seja tão passional. Eu sempre fui propícia ao salto no escuro, ao passo para dentro do abismo… regida por emoções que sou. Respiro fundo e sinto todas as coisas até esgotar. Talvez por isso tenha me apaixonado no primeiro verso por Álvaro, uma das pessoas do Fernando.

Gosto das cores e da temperatura das minhas emoções… gosto de estar triste, mergulhada em coisas antigas. De estar alegre, com os olhos cheios. Só não sei lidar com o vazio das mãos. Espalmo-as no ar, voltadas para os meus olhos e vejo apenas as tais linhas… do coração, da vida e todos aqueles outros riscos-traços que certas damas conseguem ler. Eu não sei… sou analfabeta nisso.

Minhas mãos e suas ranhuras são o destino final de tudo que sou-penso-invento-sinto. São elas que dão movimento-sentido ao que sou…

Lembro-me que em sala de aula, eu era motivo de preocupação das professoras, que estranhavam o meu silêncio. Incomodava-me as falas desarticuladas das outras crianças, os gritos e o som tão alto de tantas vozes. Eu enlouquecia em meu canto de mundo-vida. Tapava as orelhas com as mãos. Como não resolvia, começava a chorar… e queriam saber onde doía. E eu lá… a olhar as minhas mãos emudecidas. Várias vezes, chamaram C., à escola. Refugiava-me em seu colo… era levada para casa e colocada na cama. O meu quarto era o meu lugar do mundo. Colocava um dos meus discos favoritos… para girar na vitrola e tudo se acalmava. Puxava o caderno — escondido debaixo do travesseiro — escrevia pequenas nota-bilhetes e alcançava qualquer coisa de silêncio por dentro.

Foram raras as vezes que consegui tal coisa em sala de aula. Uma das notas escritas naquele cenário de tumulto, serviu para que um das professoras me olhasse de maneira diferente — Cara mia, as únicas abelhas que aprecio são as que encontros nos poemas de Emily. As que compõe esse insuportável enxame, são desprezíveis.

Foi um desses acidentes que cometo de tempos em tempos. O bilhete era para ser entregue nas mãos de C. O recebi de volta no dia seguinte, junto com o caderno de tarefas que era recolhido ao final da aula. Nada foi dito, mas o olhar daquela senhora enfiada em seu avental azul mudou… passou a relampejar.

Eu adorava os dias de chuva e parecia ser a única… o trovão explodia no ar e era como se fosse o mio cuore pulsando fora do peito. As outras crianças temiam o breu das nuvens, as faíscas que cortavam os céus. Até os adultos acusavam horror-medo. Apegavam-se as suas crenças de deus-santos-amém… Eu era toda fascínio porque tudo era tão mais calmo-manso-lento. Sem a luz do sol, as formas ganhavam nitidez. 

Foi em uma manhã de chuva que a tal professora se aproximou e deixou um livro de Amélia Rosseli — em minha mesa. Não disse palavra. Senti a textura da capa na ponta dos dedos e ao abri-lo, encontrei uma pequena nota: le carte sparse per terra o sul tavolo, lisce per credere che il futuro m’aspetta.

Eu trovejei por dentro…

Nesse Agosto temos b.e.d.a — blog every day august.
Adriana Aneli — Claudia Leonardi — Darlene Regina
 Mariana Gouveia — Obdulio Nuñes Ortega — Roseli Pedroso

Publicado por Lunna Guedes

Sou sagitariana... degustadora de café. Figura canina e uma típica observadora de pássaros, paisagens, pessoas e lugares. Paciência é algo que me falta desde a infância. Mas sobra sarcasmos para todas as coisas da vida que fazem mais barulhos que cigarras nos troncos das árvores. Aprecio o silêncio e falas cheias, escreve-se em prosa por apreciar a escrita em linha reta. Tenho fases como a lua... sendo a minguante a minha preferida!

5 comentários em “01 | Está é minha carta ao mundo…

  1. A última vez que trovejou aqui gravei e te enviei por mensagem… a previsão é de que nas próximas semanas as chuvas venham e eu espero por isso e pelas trovoadas.

  2. Que professora especial! Que jornada é essa de sermos colocados juntos aos nossos pares e nos reconhecemos ímpares. Bem, você sobreviveu e veio produzir relatos como este, estrondoso feito um trovão!

Pronto para o diálogo? Eu estou (sempre)

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: