Um sábado inteiro, ainda incompleto!

Eu e C., tínhamos por hábito nos sentar à mesa da cozinha nas manhãs de sábado… para escritos-leituras-conversas e xícaras de chá. Foi numa dessas manhãs que, com uma xícara em mãos, ela me olhou e disse — “quando crescer, você vai ser uma escritora”. Gostei imenso de ouvir a frase sair de sua boca… e concordei, discordando porque sempre fui feita de contrários.

A partir disso, passei a dar a todos os meus cadernos essa ordem… caderno vermelho de uma futura escritora — numerando-os sequencialmente. Confidenciava naquelas linhas uma sequência ininterrupta de exercícios, feitos na terceira pessoa do singular. Narrava com certa euforia as coisas que apreciava. Tudo coisa alheia — nunca assumida como sendo minha, muito embora o fosse, já que minha escrita sempre foi confessional.

Gosto imenso do diálogo, de dizer-me ao outro… pontuar as observações feitas, o passo, a voz, o outro que vem em minha direção, com suas vivências bem ou mal pontuadas ou daquele que se junta ao meu caminhar, encaixando o passo ao meu. Descrever os lugares, as fachadas dos prédios. Dar nome as ruas, esquinas… inventar-reinventar, se manifestar a respeito da realidade a partir do meu imaginário.

E foi por causa da fala dessa mulher que eu percebi ter me afastado de minha essência. Fui em outra direção. Uma fuga não planejada, que aconteceu porque alcançar a idade adulta tem os seus percalços.

É preciso escolher e são tantas possibilidades… mas apenas uma pode-deve ser feita. É um compromisso firmado e é coisa para a vida toda que precisa ser dita em voz alta para estabelecer os mapas de maneira a se orientar a realidade.

Um amigo escolheu Engenharia… e, acabou por descobrir que não tinha talento algum para os engenhos. Migrou para o Direito, mas não tinha o menor apreço pelas leis. Tentou vários outros cursos e acabou por ir trabalhar com o pai numa loja de calçados. Se tornou um especialista em passos. Foi ele quem me ajudou a escolher o melhor calçado para as minhas caminhadas.

A vida tem os seus próprios caminhos… e é preciso saber trilhá-los, orientando-se pela bússola que temos no meio do peito.

Eu nunca desisti da Psicologia… e não acusei — em momento algum — falta de talento para a atividade escolhida. Fui até o último estágio que me deu, entre outras coisas, a acunha de Doutora — um adjetivo que recusei porque os meus contrários nunca me abandonaram.

Estava a bordo de uma vida organizada-reta, com todas as coisas nos seus devidos lugares quando percebi que nada daquilo me pertencia. Ainda me lembro — e com que espanto — do momento em que anunciei a minha decisão em voz alta para o espelho. Mudar de ares e desbravar outra realidade. Começar do zero… de novo. Ser outra… a que eu sempre quis ser — mas que nunca disse em voz alta, embora resmungasse pelos cantos do corpo — discordando da minha própria retórica.

Ah, os benditos ecos contrários! Foi um choque para alguns. Um amigo — consciente que não existe caminho que não possa ser percorrido, basta ter disposição — me recomendou para um Editor que me recebeu com um sorriso branco e avisou: não será fácil.

E lá fui eu ser sua assistente nos primeiros dias… e amiga para o resto de nossas vidas. Aprendi sobre esse Universo — literário — para o qual migrei, na condição de pássaro… e cá estou, a aprender mais e mais, um pouco a cada dia. Totalmente consciente de que percorri todos os caminhos que quis… provei o melhor de todos os lugares que visitei e aqui fiquei… por enquanto! Digo sempre que estou… o verbo Ser não é para todas as coisas do mundo-vida-realidade. É apenas para a matéria que quando diante do espelho, exibe-se de acordo com a luz que a toca.

Nesse Agosto temos b.e.d.a — blog every day august
Adriana Aneli — Claudia Leonardi — Darlene Regina
Mariana Gouveia Obdulio Nuñes OrtegaRoseli Pedroso

Publicado por Lunna Guedes

Sou sagitariana... degustadora de café. Figura canina e uma típica observadora de pássaros, paisagens, pessoas e lugares. Paciência é algo que me falta desde a infância. Mas sobra sarcasmos para todas as coisas da vida que fazem mais barulhos que cigarras nos troncos das árvores. Aprecio o silêncio e falas cheias, escreve-se em prosa por apreciar a escrita em linha reta. Tenho fases como a lua... sendo a minguante a minha preferida!

3 comentários em “Um sábado inteiro, ainda incompleto!

  1. Eu me lembro que o Verbo Ser era listado junto ao estar – Ser ou Estar. Adolescente, aprendi que se éramos alguma coisa, ao mesmo poderíamos estar outra, sem prejuízo de valor. O problema todo é que nessas transições é bem possível se perder. Se há algo que sei é que sou escritor e demorou mais de 50 anos assumir a “culpa” por ser. E você me ajudou nesse processo, Lunna! A sua decisão influenciou outras por aí, para percebermos que nada é inconsequente.

Pronto para o diálogo? Eu estou (sempre)

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: