Começamos a empacotar as coisas para levar de um apartamento ao outro, numa manhã de segunda-feira. Aconteceu poucos dias antes do mundo entrar em colapso. Tínhamos lido as notícias do mundo, mas era tudo tão distante. Não nos preocupamos. Estávamos ocupados com os nossos planos-futuros. Tanto por fazer. Os dias contados. Tudo era véspera naqueles dias… contávamos as horas para o Carnaval e depois tudo teria início. Aproveitaríamos as festas para mudar e colocar tudo em ordem.
Decisão tomada e o tempo cronometrado… A mudança deveria consumir poucas horas… mas, eu me esqueci de considerar que, sou o tipo de pessoa que se distraí com facilidade quando se propõe a organizar caixas, gavetas, fundo, de armários, prateleiras. Imagina quando se trata de preparar a mudança, que exige o cuidado de etiquetar caixas-coisas para não se perder em meio ao caos-natural que se estabelece quando é preciso ocupar-desocupar ambientes.
As coisas se escondem nos lugares mais inesperados e ficam lá até serem reencontradas. Consequentemente, fui obrigada a fazer uma pausa… para dar atenção ao que se oferece como oportunidade, que não pode-deve ser desperdiçada. Eu não sou o tipo de pessoa que acredita no acaso… por isso me mantenho atenta as interferências do universo…
——— abre aspas ———
Na mudança anterior… encontrei no meio de todo o caos, um punhado de envelopes amarrados com uma fita vermelha — notícias de uma vida anterior a essa, que eu fiz questão de revisitar. Livros lidos no ano anterior, com anotações várias feitas nas margens, que eu precisei rever — uma a uma. E uma matéria sobre Annie Leibovitz — a fotógrafa dos famosos — com seus longos cabelos esfumaçados-bagunça-dos e o conhecido sorriso torto — quase abstrato. No rodapé de uma das páginas arrancadas da revista V.O.G.U.E… uma anotação feita por mim — uma espécie de lembrete-futuro: ela é uma mulher em constante metamorfose. Era o início se deixando moldar por frágeis possibilidades. Poderia não ter resultado em nada, mas foi o início de tudo, dias depois. A certeza de que eu tanto precisava. Lua de Papel começava a se escrever bem ali… em meio ao caos de uma mudança, que eu abandonei para rascunhar meu primeiro romance.
——— fecha aspas ———
Levamos as nossas coisas de um lugar ao outro… esparramando-as pelos cantos do novo espaço-cenário. E até tudo se acomodar foram dias inteiros de caos. Tudo se ajeita em algum momento — é fato!
Antes, no entanto, é necessário encarar a bagunça, a desordem… e não surtar. Consciente disso… tracei uma falsa lista mental das prioridades para orientar os meus movimentos: esvaziar as malas, pendurar as roupas nos cabides, as xícaras no armário. Guardar os talheres nas gavetas, organizar a louça. Arrumar as prateleiras e estabelecer nova ordem para os livros. Preparar a mesa de trabalho. Pendurar os quadros-cortinas-vasos. Esparramar os tapetes e as almofadas pelo chão. Colocar a água para ferver e andar pelos cômodos, sentindo os espaços… os vãos de um lugar que é novo e ainda não havia se deixado domar. Deitar fora as caixas vazias e depois de tudo arrumado… deixar a luz entrar nos cômodos que sou. E começar tudo de novo… dando lugar as coisas em minha memória, sempre tão ocupada, e encontrar um Norte para o Ano que acabou dias depois, quando descobrimos que o outro lado do mundo já não era mais tão longe quanto costumava ser…
e eu abençoo o dia em que Lua de Papel começou a ser gerado… e abençoo os abusos recém chegados no email. rs
Só você para encontrar os rascunhos de um romance em uma caixa de mudança e parar tudo para se ocupar da leitura. Amei isso