11 de setembro

E lá se vão vinte anos… e todo mundo parece saber o que fazia no momento do impacto dos aviões com as torres gêmeas. Ao contrário da turba… levei muito tempo para encontrar o meu lugar “nessa história”. Não sou o tipo de pessoa que coleciona tragédias, mesmo tendo vivido-encenado algumas e saber exatamente quantas vidas isso me custou. Gosto da maneira como apontam os gatos e suas sete (?) vidas… me permite pensar em quantas ainda me restam.

A primeira vez que questionaram-me a respeito do 11 de setembro… foi no ano seguinte. Estava em uma roda de escritores e o meu olhar encarou o vazio — refletindo a falta de lembranças. Não havia porto onde ancorar. Fiz enorme esforço e nada. Tentei focar no ano-mês-dia… escapei do calendário, um ou dois dias antes, dois ou três depois. Nada…

O mês de setembro é um dos meus favoritos no calendário… escrevi em algum lugar que se eu fosse uma pessoa-mês, seria Setembro. E olha que sinto imensa atração por novembro e a alusão que faço a um novelo.

Cinco anos depois… a pergunta ainda não tinha resposta. Levei o assunto para a terapia — incomodada com o fato de que todo mundo sabia exatamente onde estava e o que fazia naquele dia, de tão marcante que era o fato.

Eu apenas recordava os versos de Auden, repetidos na condição de mantra por todos os novaiorquinos, numa nítida tentativa de compreensão.

September 1, 1939
I sit in one of the dives
On Fifty-second Street
Uncertain and afraid
As the clever hopes expire
Of a low dishonest decade:
Waves of anger and fear
Circulate over the bright
And darkened lands of the earth,
Obsessing our private lives;
The unmentionable odour of death
Offends the September night.

Demorou anos para eu localizar o meu corpo dentro daquele dia. A lembrança aconteceu numa espécie de estalo. Prepara uma xícara de chá… pretendia escrever a respeito dos mundos que habitava numa espécie de antes e depois de algumas coisas definitivas.

Eu estava exausta. Meu emocional não vivia seus melhores dias. Precisava tomar uma decisão definitiva. Eu era jovem demais para isso — segundo uns — e velha demais — segundo os meus próprios parâmetros. Pretendia fechar algumas portas e escancarar uma  janela. E depois de me despedir de alguns cenários, toma café no mesmo lugar, atravessar a Avenida principal, visitar cenários e andar a cidade inteira, me joguei no sofá e adormeci.

O evento do 11 de setembro acontece enquanto o meu corpo se rendia a um sono profundo, provocado por uma xícara de chá de ervas. Acordei não sei quantos dias depois e tudo — no meu mundo — continuava bagunçado, fora de lugar. Eu não estava pronta para organizar nada.

Eu não fazia idéia do que havia acontecido do outro lado do atlântico. Ainda sonâmbula, liguei a televisão e parecia cena de filme… dois aviões tinham se chocado contra duas torres. Alguém havia assumido o atentado em algum lugar e um nome passou a ser repetido na condição de alvo. Uma nação inteira queria vingança porque o coração de uma das principais metrópoles havia sido ferida…

Ao ouvir os comentários feitos por uma jornalista, pensei apenas como seria o mundo se cada nação ferida… optasse pela vingança. E voltei a dormir. Guerras humanas e tolas nunca tiveram mais que um minuto da minha atenção.

No ano em que a tragédia completou 10 anos… as livrarias foram invadidas por livros que abordavam o tema de diferentes maneiras. Comecei a ler um deles — no café da livraria da vila — e desisti pouco depois de iniciada a leitura e o café secar na xícara.

Acabei por assistir a dois filmes, sem saber que abordavam o 11 de setembro. Tão perto e tão longe e Lembranças. O ponto de vista dos dois filmes não é o evento em si… São as pessoas que perderam alguém e precisam lidar com o luto por que é disso que se trata.

O 11 de setembro não é um prédio em chamas… é a vida de muitas pessoas atingidas por dois aviões e a maneira como cada um encontrou uma maneira de sobreviver. Por isso o poema de Auden foi lembrado e por isso eu não sabia onde estava naquele momento.

Publicado por Lunna Guedes

Sou sagitariana... degustadora de café. Figura canina e uma típica observadora de pássaros, paisagens, pessoas e lugares. Paciência é algo que me falta desde a infância. Mas sobra sarcasmos para todas as coisas da vida que fazem mais barulhos que cigarras nos troncos das árvores. Aprecio o silêncio e falas cheias, escreve-se em prosa por apreciar a escrita em linha reta. Tenho fases como a lua... sendo a minguante a minha preferida!

2 comentários em “11 de setembro

  1. Que texto belo, não me lembro exatamente onde estava também, culpo a pouca idade que tinha na época do ocorrido. Só me lembro de ver aquilo na televisão, ver a tragédia estampada no rosto das pessoas, e rezar para que ficassem bem. Como você disse, é sobre perda… Lembranças retratata isso bem.

  2. Adorei esse texto, Lu.
    Eu me lembro exatamente onde estava. Na escola e quando cheguei só falavam nisso. Todos os noticiários.
    Eu assisti ao filme lembranças e fiquei surpresa quando descobri que a personagem estava no prédio do 11 de setembro. Você descreveu muito bem. O filme e a tragédia é a respeito de pessoas e a maneira como cada um sobrevive a uma tragédia.

    bisous

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