Enquanto folheava — pela segunda ou terceira vez — o livro “olhos de menina” de Susan Fletcher… no meio da tarde fria e sonolenta desse domingo, comecei a pensar nos ontens que eu coleciono como se fosse figurinhas de álbum.
A personagem se questiona a respeito das coisas das quais se lembra e desfia de forma agradável as suas lembranças acerca dos dias passados a partir de um elemento que a marcou profundamente. Surge a pergunta: do que eu me lembro? — e a sensação que senti na primeira leitura se repete…
Quando dou por mim… estou entregue as lembranças. Recordo momentos inteiros. Não a partir de um determinado ponto, como a personagem do livro que diz num sem fôlego: três coisas aconteceram quanto tinha sete anos… Como é tudo coisa aleatória.
Meus pretéritos são figuras estranhas. Não sei exatamente de que me lembro. Há muita coisa acumulada. Tanto entulho-retalhos-restos — algumas coisas inteiras; outras pela metade… A mente é essa coisa arbitrária narrando prelúdios ao seu bel prazer e entregando-os a mim a qualquer momento do dia.
E ao questionar-me de maneira consciente, nada ocorre… mas bastou ler a pergunta dentro do livro que fui catapultada para outro lugar. Não é exatamente uma lembrança minha… é coisa emprestada. Disseram-me que uma bola passou pela porta-aberta e encontrou o meu rosto, atingindo-o em cheio.
Eu me lembro de descer os degraus de madeira, aos pares… Estou animada porque vamos a algum lugar. Vou a frente… É manhã de domingo e me deparo com um clarão que antecedeu a escuridão, como numa tempestade.
Quase quarenta anos depois e eu ainda tenho dúvidas… sei que eu acordei na cama do quarto de alguém e estão todos lá, ao meu redor. No pé da cama, avisto a imagem de um garoto cabisbaixo com uma bola na mão. Ele parece pronto para se desculpar. Mas eu nem sei pelo que…
Ajudam-me a sentar na cama… Ainda sinto tonturas e tudo se move-gira. Eu acho divertido e estranho. Sino sono-cansaço, digo palavras sem sentindo e fecho os olhos… Acordo algumas horas depois, num quarto branco com uma mulher que diz: olha quem acordou!
Passei alguns dias enxergando apenas por um olho — o esquerdo — e o resto da vida cobrindo-o com a mão, para enxergar as coisas por outro ângulo. Uma grande bobagem, concordo! — mas é um movimento involuntário. Quando dou por mim, lá estou eu com a mão em cima do olho em busca de um ângulo diferente.
Curioso foi descobrir em uma ida ao oculista que é justamente o que enxerga melhor… o outro — direito — exibe imagens sutilmente esbranquiçadas e um pouco turvas.
Passei por experiência parecida na escola. Quando dei por mim, estava cercada por rostos preocupados. Belo texto!
Essa passagem magistralmente escrita por você, Lunna, me fez lembrar do infindável Chico, que compôs De Tanto Amar:
“A metade do seu olhar
Está chamando pra luta, aflita
E metade quer madrugar
Na bodeguita”…