Cara A.a
Sentei-me aqui nesta segunda hora, com uma xícara de chá em mãos… para observar a manhã — nublada — deste domingo… o asfalto lá fora ainda guarda resquícios da chuva da madrugada. Faz dias que o sol tenta ultrapassar — sem sucesso — as nuvens. Às vezes, um raio escapa e alcança o lugar — tudo tão ligeiro que basta um piscar de olhos para a dúvida existir…
Passei os olhos pelas prateleiras de livros, reparando rapidamente nos títulos e puxei Ana C. para uma leitura matinal. Gosto do estilo do livro. As páginas parecem papel de cartas com, com as letras em azuis e a mistura de poemas com missivas, bilhetes. Enquanto lia, pensei nos versos enviados nos últimos dias para publicação — fiz duas ou três leituras de reconhecimento em busca de algo que eu ainda não encontrei e tampouco faço idéia do que seja. São processos-fases — que você já conhece bem —, como as estações do ano, os dias da semana, os ciclos lunares… ou a canção do Chico: revirando a noite, revelando o dia… noite e dia… noite e dia.
Fiquei a pensar no verso inicial de cenas de abril — é sempre mais difícil ancorar um navio no espaço — e emendei à música do Chico — nem que todos os barcos recolham ao cais, que os faróis da costeira me lancem sinais. Arranca vida, estufa vela, me leva longe, longe leva mais...
Há momentos do dia-vida em que apenas penso… e sou como os ponteiros do velho e poderoso Carrilhão preso à parede da sala da minha infância… a marcar sempre as mesmas horas e eu a observá-los imóvel — ouço sua melodia zangada, oriunda de seu mecanismo, uma espécie de caixa de abelhas.
Minha infância é essa espécie de porto — vida ali quem sabe, eu fui feliz — do qual eu vou e volto, na condição de barco. E as lembranças que acenam, são como cartas de Tarot… cada lâmina narra um fato… E lá estou eu, dentro de outro sábado de outono e venta forte por toda a parte. Visto roupas de lã e avanço com passos lentos — contando-os — pelas calçadas estreitas e quadriculadas do bairro… até a Praça. A grama ainda verde parece reclamar qualquer coisa de primavera. Brincamos de correr por entre os troncos e, de repente, começamos a caçar folhas em seu último instante de vida — em queda livre.
Tombamos exaustas… acusando o fracasso de nossos movimentos. Mas o riso que escorria dos nossos lábios era de sucesso. Estávamos lá, deitadas, a olhar o azul do céu… Quando uma pequena folha se desprendeu do galho e num gesto caprichoso pousou em meu corpo. E depois outra e mais outra… fazendo subir o som das nossas gargalhadas, que contagiou outras pessoas, em seus passeios de ocasião.
No caminho de volta, C., contou uma de suas histórias sobre ‘espera’ — outro conto indiano, que ela tinha à disposição para todo e qualquer momento de vida. Se fosse uma carta de Tarot sobre a mesa seria a nove: o Eremita!
Au revoir
A felicidade cabe em instantes, como esse das folhas caindo. Sempre pensamos que já fomos mais feliz e lembramos da felicidade no passado.
Beijus,