Faz tempo que não saio para a noite com uma câmera em mãos… Tenho saído com o cão, mas não faço registro algum, das coisas que vejo e toco. Apenas vigio os meus passos — um hábito antigo — observo as ranhuras no chão e espio o que brota do cimento. Outro dia, me deparei com uma florzinha… gostei da tonalidade — parecia tão sensível em meio a brutalidade do cenário em volta. Mas não senti vontade de fotografá-la. Quis apenas observá-la — impressionada como sufocamos certas formas de vida nessa cidade.
O último registro fotográfico que fiz, foi da varanda… para onde fui após finalizar uma leitura — a elegância do ouriço —, e percebi que ainda não me acostumei com a nova paisagem urbana. Ainda não enxergo tudo que está lá… talvez por estar presa à paisagem do outro bairro. Sinto falta do campanário… que eu gostava de observar ao crepúsculo. Imaginava o som do sino que nunca ouvi ressoar… Nem mesmo os fortes ventos de julho o faziam cantarolar — era justamente a sua imobilidade que me atraía. E enquanto o observava, inventava uma história… imaginando quem o mandou construir e a finalidade.
Na casa, datada do início do século passado — uma das primeiras da rua —, havia um poço próximo ao portão de entrada, que destoava dos contornos refeitos na última reforma. A casa tinha ares de uma Quinta… e não me espantaria se ali residisse um velho casal português, que atravessou o oceano em busca de dias melhores.
…
A rua em curva tinha as suas peculiaridades e eu gostava imenso de percorrê-la em meio ao breu. Pouco iluminada, com calçadas alquebradas e casas que eram mausoléus. Não me espantaria se, durante um dos meus passeios, eu esbarrasse em algum visitante, deixando flores no portão. Considerava aquela rua perfeita para um crime… A casa da frente, afundada no chão, seria residência perfeita para uma dominatrix e sei exatamente qual olhar eu usaria para esculpir um corpo para um personagem.
O bairro novo é diferente… uma alameda reta chega aos meus olhos, com seus prédios empilhados e árvores que resistem bravamente à concretude. Estão espremidas, apertadas e confinadas… Uma das mais antigas, arrebentou a calçada, estourou o asfalto e expandiu as suas raízes para além dos limites impostos por nós. É imensa e linda… Soube que é remanescente do Ibirapuera, o que me fez pensar no tamanho do parque e quanto dele… a cidade engoliu.
Sensação estranha… E o mais engraçado é que as pessoas mostram-se incomodadas com as invasões de terra praticadas por grupos “de esquerda”… Eu considero humanamente irônico pensar em proprietários de terras de ninguém.
Quem são os invasores, de fato?
A resposta parece simples: somos todos…
Ao espiar o lugar dentro da noite, vejo algumas janelas acesas… criaturas sonâmbulas, como eu. Por aqui, acontece uma forma peculiar de silêncio… os ruídos são de todos os tipos. O que mais me intriga é o das turbinas que irrompem o silêncio de tempos em tempos em suas rotas de pousos e decolagens.
…
E ao olhar para a esquina, observei a mudança de cores do semáforo… e me lembrei que foi a última vez que fotografei alguma coisa: o vermelho dentro da noite. Uma luz indicando pausas.
É preciso esperar…
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A última foto – vermelho por fora…
Eu acho que não passa um dia que eu não tire uma foto… aqui mesmo, no meu quintal e às vezes, fico admirada do quanto um quadrado entre muros me oferece um céu em diversas tonalidades e tantas asas.