Aos cuidados de Martius,

Ciao caro Martius,

Eu tentei me lembrar, ainda na primeira hora, de seus dias outros — sem muito sucesso. As notícias do mundo e suas guerras de ocasião não param de chegar e as muitas opiniões me fazem sentir como se estivesse de volta às salas de aula, com o professor F., de história apontando num mapa… os lugares, divisas, fronteiras e suas histórias repletas de equívocos.

Ele havia vivido o horror da segunda grande guerra, mas enfatizava que nada foi pior que a primeira. E ele ainda não havia nascido em 1918 e era apenas um menino em 1945. As conclusões, certamente, era do homem, de livros esccritos e autografados. Ele era reverenciado na minha cidade por tudo que sabia e escrevia. Foi um dos melhores professores que me divertia ao dizer: a história dos homens é melhor quando ficionada.

É meu caro Março, eu não tenho lembranças que valem, dentro dos seus dias. Há um outro registro vago… uma porção de flores embrulhadas em jornal e esparramadas por cima da mesa quadrada da cozinha, no final de uma de suas tardes. Uma música que ecoa pelos cômodos enquanto a tesoura vai cortando os talos para fazê-las caber nos vasos, que seriam espalhados pela casa. Mas não tenho certeza de que essas lembranças pertencem aos seus dias.  

Você costumava ser tão quieto e calmo. Mas, faz algum tempo que resolveu fazer jus ao teu nome… há dois anos, o caos se estabeleceu por aqui, onde é conhecido por suas águas que fecham o verão, como cantou Elis ao lado de Tom. E como se divertiram ao repetir: é pau, é pedra, é o fim do caminho… como se fosse uma brincadeira de criança, onde tudo é simples, tanto quanto abrir um livro para escapar do lugar em que estou. Eu viajo muito ao folhear as páginas dos livros, assim mesmo no plural porque não sei escolher livros no singular. Um leva a outro e a outro e mais outro… como estações visitadas por um comboio onde vejo e revejo acenos-abraços em chegadas e partidas. 

E foi durante uma dessas viagens de um país a outro a bordo de um comboio que um signore sentou-se ao meu lado. Era um estudioso dos astros. Disse-me que antes do homem Gregório manipular o calendário, você era o primeiro mês do ano e me falou da sua origem romana… Martius de Marte, o deus da guerra. Soube que muitas culturas celebravam o ano novo dentro de seus dias e só posso imaginar que isso acontecia por causa do equinócio de primavera que devolvia as cores para os campos.

Por aqui, é sentido inverso… é o outono que acena e leva embora as cores, o que me faz pensar em ingredientes para um bolo. Quadradinhos amarelos, com casquinha marrom e com o aroma do fubá a perfumar a casa.

Acho que ainda dá tempo de inaugurar lembranças dentro de seus trinta e um dias.

Publicado por Lunna Guedes

Sou sagitariana... degustadora de café. Figura canina e uma típica observadora de pássaros, paisagens, pessoas e lugares. Paciência é algo que me falta desde a infância. Mas sobra sarcasmos para todas as coisas da vida que fazem mais barulhos que cigarras nos troncos das árvores. Aprecio o silêncio e falas cheias, escreve-se em prosa por apreciar a escrita em linha reta. Tenho fases como a lua... sendo a minguante a minha preferida!

2 comentários em “Aos cuidados de Martius,

Pronto para o diálogo? Eu estou (sempre)

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