Não perdi o hábito de escrever em diários,

Eu tive muitos cadernos desde a infância… era a menina que andava com a mochila cheia até a escola por não gostar de deixá-los no armário que tinha o meu número de matrícula seguido do meu nome escrito em uma plaquinha. Lembro-me que a coordenadora da minha turma, chacoalhou a chave no ar, antes de me entregar. E não sei por qual razão, me aborreci com aquele gesto bobo.

Eu tinha cadernos vários, devidamente encapados para cada uma das matérias escolares… Passava uma tarde inteira na companhia de C. durante os primeiros dias do outono, preparando-os de acordo com as disciplinas. Não me importava com a capa oferecida pelas papearias. Minha preocupação era com a cor e a qualidade das páginas. Não gostava de folhas finas e pálidas, preferia as de amarelecidos tons e linhas cinza, bem definidas. Não gostava de cadernos com encadernação em espiral, preferindo os costurados — as famosas brochuras — que permitia abrir o caderno por inteiro… Outra coisa que me incomodava era o tamanho… evitava os cadernos grandes — os chamados universitários — preferindo os pequenos…

Meu primeiro caderno foi um presente de C., que observou o meu olhar crescer para cima do dela, aberto em cima da mesa. Não li palavra escrita naquelas linhas. Mas fui seduzida por aquele objeto. Senti fome-sede e uma confusão de sentimentalidades borbulhantes, em meu interior. Passei a desejar ter um para mim — como se a minha vida dependesse disso.

O meu primeiro caderno foi encapado com um papel vermelho Ferrari e com plástico transparente. Na primeira página, usei três linhas para anotar o ano: 1985… e na última linha… escrevi o meu nome com todas as suas vogais e consoantes.

Minha caligrafia era arredondada e a minha mão resistia ao movimento. Voltei a sentir aquela dificuldade inicial recentemente, por falta de uso de cadernos-lapiseiras. A mão esquerda anda indócil, se ressente de qualquer palavra escrita e a direita — depois que li um ensaio de Susan Sontag, não consegui mais usá-la para a escrita. Uma bobagem que me faz rir e errar o traço.

Naqueles dias… eu não tinha uma lapiseira, tampouco sabia da existência delas. A escrita foi feita à lápis… bem apontado pelo mio babo, que escolheu o melhor modelo.

Me apaixonei pela dinâmica da escrita… escrevia apenas para ver brotar as letras daquela ponta cinza 3b, que tatuavam o papel…

Descobri mais tarde — com o livreiro da nossa vila — que um caderno vermelho era coisa de Paul Auster, escritor estadunidense. Não gostei do que li naqueles dias. Era uma escrita aborrecida para a menina que eu era. Mas gostei da maneira como tratava as suas lembranças e disse ao livreiro que talvez eu voltasse para ler.

E o caderno vermelho seguiu sendo coisa minha porque era a cor das minhas emoções e de todas as minhas coisas favoritas: o pirulito, as tulipas no quintal de casa, a bala de goma no pote, o meu para de tênis, a minha jardineira e dos morangos na horta do signore R.

Eu tive muitos cadernos depois daquele. O último eu comprei numa papelaria do shopping, atraída que fui pela vitrine iluminada que exibia inúmeros cadernos molesquines — que há anos se tornaram os meus favoritos.

Não escrevo nele com a regularidade que eu gostaria. Tomo notas esparsas porque o computador ocupa enorme espaço na minha realidade. Uma proeza que nem mesmo a máquina de escrever — herdada do nonno — conseguiu.

Mas, ao espiar as coisas guardadas em meu baú… decidi que está na hora de voltar a ter um diário de papel — um caderno vermelho com notas diárias, retomando os meus processos laboratoriais em que, qualquer coisa, material ou imaterial, real ou imaginária desperte uma linha de pensamento.

b.e.d.a — blog every day august — um desafio que surgiu para agitar os dias
de abril e agosto nos blogues e comemorar o Blog Day

Alê Helga – Darlene Regina – Mariana Gouveia
Mãe Literatura – Obdulio Nuñes Ortega

Publicado por Lunna Guedes

Sou sagitariana. Editora de livros artesanais. Autora de romances. Degustadora de café. Uma típica observadora de pássaros, paisagens, pessoas e lugares. Tenho fases como a lua... sendo a minguante a minha preferida!

10 comentários em “Não perdi o hábito de escrever em diários,

  1. Nossa, que delícia de post.
    Lembrei dos meus cadernos todos. Eu tinha um com um cadeado e todo mundo achava que era um diário, mas era apenas um caderno de poesias. Deu uma saudades dele agora, vou procurá-lo nas minhas coisas.

    bjk

  2. Ah, vibrei quando vi O lado de dentro ali, ao seu lado! Eu também ainda mantenho o hábito de escrever diários e graças a tu, eles viraram livros…
    Grazie por isso!

  3. Eu também tive muitos cadernos querida e viajei nas lembranças da minha infância quanto tinha apenas os que ganhava na escola. Éramos pobres e dependíamos da APM para ter caderno, lápis, borracha o uniforme: uma camiseta branca. Como eu cuidava bem daqueles meus cadernos. Eram uma preciosidade e hoje, quando vejo lixeiras com cadernos, me corta o coração e penso na criança que eu era e nas muitas que existem por aí, que adorariam ter um caderno.
    Tenho certeza, pela fotografia, que você cuida muito bem dos seus.
    beijinhos

  4. Eu vim aqui atraida pela notificação no meu blogue.
    Pessoas como você, Catarina, tem o dom de nos seduzir, deve ser por isso que o caderno te atraiu tanto, porque você precisava desse encontro para chegar até nós. Tudo começou ali e continua aqui, nessa página que é um caderno, apesar de não ser vermelha. Deveria ser, viu?
    Voltei a escrever seus diários e não se esqueça de compartilhar conosco. Eu amo muito os que tenho aqui. Seus sábados são um deleite e septum já passou por muitas mãos além das minhas. Empresto-os para as minhas meninas todas.
    beijos

  5. Há anos venho brigando comigo mesma para retomar o hábito de manter um diário… vou e volto, vou e volto, mas sem consistência alguma. Longos períodos de escrita diária se alternam com longos períodos em que a prática é totalmente esquecida. Porém, os cadernos nunca abandonei. Invento mil e uma funções e motivos para continuar usando.

  6. Você escreve para se achar, eu recorto e colo para me achar. Por que a gente anda tão perdida? Eu pelo meu lado cada dia me perco mais e mais. Quem sabe Lu um dia a gente se dá cara uma com a outra..

    Que texto!!!

Pronto para o diálogo? Eu estou (sempre)

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