Domingo de maio… o último!
Caríssima M.,
Ainda sinto reverberar em minha pele certas palavras… Fui e voltei de uma centena de lugares, mas o meu corpo permaneceu nessa mesa, onde escrevo desde que perdi o hábito de sair e percorrer alamedas para acomodar o meu corpo em uma dessas mesas bem merecidas de algum café da cidade.
Não sinto falta da antiga rotina e faz algum tempo que eu percebo que estou com dificuldade de ir lá para fora. É tudo tão estranho e esquisito. Parece que não não me encaixo mais nos espaços. Não pertenço aos cenários…
Vez ou outra, no entanto, uma lembrança emerge. Revisito certas manhãs-tardes-e-noites. Sinto o copo branco-papelão encaixado em minhas mãos. Fecho os olhos e sinto o trago pesado do cheiro adocicado da mistura que combina leite-café-canela-e-chocolate. É como voltar a ocupar a mesa perto da porta que, para uns é de saída e para outros é de entrada.
Houve uma manhã em que uma figura se apressou por ali e sorriu de passagem. Eu fiz o que sempre faço: entreguei um cumprimendo raso-pálido, pouco disposto a alcançar o outro. Ela andou por todo o lugar enquanto esperava que a bebida ficasse pronta… e depois de ouvir o seu nome e retirar o seu copo, foi ocupar a cadeira vaga a minha frente.
Ela tinha pressa em dizer-se… abandonou as coisas todas em cima da mesa e passou a me oferecer tudo o que tinha. E não era muito. Ela vivia uma espécie de eclipse. O corpo em frangalhos. A alma desalojada. Tinha sofrido uma perda e não queria a companhia dos seus. Todos pareciam entender o que lhe acontecia, menos ela…
Eu não a interrompi… você sabe que eu sou uma boa ouvinte e raramente tenho o que dizer. Não sou boa com conselhos, não gosto de fazer perguntas e entro em pânico sempre que alguém pede por minha opinião. Eu sou toda silêncio, nessas horas…
Depois que ela foi embora, demorei para me reorganizar. Não sabia se era um momento real ou apenas um delírio meu. Eu sei que não ficaria surpresa se eu afirmasse se tratar de um personagem… Mas era apenas uma pessoa lidandos com as coisas da vida — uma figura atormentada, que passou pela porta algumas vezes… até que foi embora para nunca mais.
Na última vez em que estivemos juntas, ela se encheu de coragem e disse num sem-fôlego: eu sei o que você faz. E eu queria que o fizesse por mim: conta a minha história. Eu me senti como se estivesse soprando achas velhas, a fim de fazer o fogo permanecer aceso. Gosto imenso de ver a madeira em vermelho – ardendo – sendo ao mesmo tempo a acha e o sopro.
Eu fiquei curiosissima para saber quem é a personagem?
Em qual livro está? Quero ler. Quero saber.
Acho descenessário você contar como surgiu uma história e não contar qual é a história.
Já pensei em Alice, Anne, Alexandra. Raíssa não é. E tem os contos. Seria a Luíza? Ela é tão quebrada. Gosto daquela comparação que ela faz com as paredes.
Ai droga. Quem é, Lu?
Seus diálogos em café sempre resultavam em escritos. A pandemia nos tirou muitas coias, não é mesmo? Mas aos poucos a gente recupera tudo. Tenho certeza de que você vai voltar a frequentar cafés e conhecer personagens novos e nos brindar com muitas histórias incríveis.
beijoks
Ps. Estou “a ler” lua de papel de novo.
Fiquei igual a Lua, tentando imaginar qual personagem é.
Mas eu não li ainda todos os seus livros. Não conheço Alice. Iria pegar o livro com você, em São Paulo, mas veio a pandemia e mudou tudo. Mas pelo que li, do príemiro capítulo que disponiblizou aqui, não acho que seja ela não.
Você e esses diálogos de café entre esquinas. Quer saber? Eu adoraria sentar-me com você e observar o movimento de seus olhos.
bisous
Quando digo que alguns personagens assumem as rédeas em suas mãos… nem sempre será no momento da escrita.
Fiquei buscando impressões minhas em sua história e por algum momento eu quis dizer: conta minha história. Será que eu caberia em algum personagem seu? Já me vi em alguns, nos livros que li e já me vi apenas expectadora de seus momentos. Agora, sou eu que sou silêncio.
Bacio