Certas manhãs de junho…

“Nunca existiu mais princípio do que este agora,
nem mais juventude nem velhice do que esta agora;
nem vai existir mais perfeição do que já existe agora,
nem mais céu ou inferno do que existe agora”.
Walt Whitman

Hoje é dia de festa aqui porque aconteceu junho, que é o mês dele. Setenta e sete outonos, bem amarrados. Claro que nem tudo foi fácil, simples e gostoso. Houve contratempos, desacertos, enganos, tropeços — porque tudo isso faz parte do jogo. Mas foi uma vida inteira, bem tramada, com dias e noites… uma semana inteira e meses encadeados uns nos outros.

Eu sempre erro a idade dele… ainda há pouco, consultava o ano primeiro: mil novecentos e quarenta e cinco. Era o fim da segunda grande guerra… e o início de sua era. Eu inexistia nesse tempo. E sabe-se lá o que o Universo tramava a esse respeito.

Quando o conheci… o mês era outro-agosto, dia vinte e seis. Ele veio em minha direção, com as mãos escondidas nos bolsos da calça — um gesto tão meu, é claro que eu achei estranho. Trocamos olhares e partilhamos um sorriso ao meio. Ele disse “oi moça” e nos abraçamos. Que loucura! Eu não era uma criatura de toque-colisão. Eu era a que estende o braço e mede distâncias.

No ano seguinte, andamos por São Paulo para celebrar o seu aniversário. Almoçamos no Sesc Carmo, na área central da cidade, perto do marco-zero da capital, ao som de um banda de blues. E fomos para a vinte e cinco de março… subir e descer escadas, atrás de um dragão e um pentagrama de prata. Claro que encontramos na última loja visitada, onde encontrei um mensageiro dos ventos. O aniversário era dele, mas ele resolveu me presentear.

Depois fomos para a padoca no velho bairro do Bixiga… onde pedimos um bolo e quando avisei o motivo; providenciaram uma vela, dessas que espirram fogos e ele acabou queimando o dedo. O garçom todo preocupado e ele rindo da falta de jeito com uma simples vela. Cantamos a música errada e nos achamos em um abraço apertado. Faz tanto tempo isso… eu era recém chegada a vida dele, mas foi uma das primeiras vezes em que o vi realmente feliz. O que incomodou algumas pessoas.

Eu sigo errando as datas, esquecendo-as. Ele é muito melhor que eu nisso. Se me perguntar quanto aniversários eu comemorei ao lado dele, terei que parar e repensar uma vida inteira e acredite: não irei chegar a um resultado. Eu não faço idéia. Sei que estou cá, a abraçá-lo nos intervalos das horas, a cantarolar “I say little prayer for you“… com ele num côro desafinado e outros versos tantos que embalam o nosso existir fracionado.

Marco é parceiro de estrada… de vida e de projetos. Não fizemos um pacto. Não pensamos nisso. As coisas foram acontecendo. Ele é empolgado — muito mais que eu — com as coisas da vida… Eu sou de coisas poucas, para dentro. Gosto de celebrar o pôr-do-sol para ver a noite se aconchegar em meus olhos. Ele gosta da manhã, das cores do dia e dos movimentos das ruas e dos aviões. É mais barulhento. Eu sou mais silenciosa, quase muda. Prefiro os cantos escuros da casa. Ele é pura luz… do sol, das multidões e de festa. Ele acorda querendo sol e eu… chuva.

Gostamos de xícaras cheias de café e chá. De horas ímpares e filmes conhecidos. Perdi a conta de quantas vezes assistimos a versão francesa de pride and prejudice. Somos iguais e diferentes de fato. O passo dele é mais lento… o meu é mais largo. Gostamos de caminhar por calçadas, dobrar esquinas e percorrer alamedas. Somos apaixonados por cães… Foi ele quem encontrou o melhor dos meus amigos, um boxer, que eu nomeei Patrick e que viveu treze anos conosco. Agora temos uma branquinha que o adotou… é o humano favorito dela. E eu sou quase isso para ela.

Ele é todo primavera… sorriso largo, alto. É impossível não sorrir com ele. É verão… o melhor dos abraços que eu vesti — aquece o corpo todo… por dentro e por fora. Mas, às vezes, ele é outono, a minha estação favorita. O tempo dos olhares atentos, de ir para a cozinha, combinar ingredientes, preparar a mesa e servir o prato favorito dele: spaghetti al pomodoro. E é inverno nas coisas que faz, sente… é como um livro de poesias, para ser lido depois que o carrilhão da minha infância canta as seis e ponto.

Publicado por Lunna Guedes

Sou sagitariana. Editora de livros artesanais. Autora de romances. Degustadora de café. Uma típica observadora de pássaros, paisagens, pessoas e lugares. Tenho fases como a lua... sendo a minguante a minha preferida!

10 comentários em “Certas manhãs de junho…

  1. Estas celebrações renovam-nos e fazem com que continuemos a caminhada a sorrirmos muito! Um grande beijo para ti e um abraço de parabéns para o teu amor e companheiro.

  2. Estou cá a ler seu texto e mio cuore se enche de encantamento. Roubo algumas palavras em italiano para estar mais perto de vocês. Eu disse a ele mais cedo sobre minha admiração e carinho. Algumas das coisas escritas no texto pude presenciar. Me senti abraçada tantas vezes por ele e quando ouço a gargalhada dele no fundo de alguns áudios que trocamos sinto que tudo está bem, que a vida pode ter essa leveza que a presença dele traz.
    Que essa leveza seja sempre presente no riso dele, no abraço caloroso de todas as estações. Tenho todos os abraços que não dei nele guardados para entregar assim que possível.
    Auguri!

  3. Lunna querida!

    Tua escrita sempre me encanta e esta carta então, me emociona! Emociona porque traduz as entrelinhas de um amor que vive o hoje! Uma aliança de Almas, onde os corpos, simplesmente transmitem o calor da chama que arde por dentro!

    Parabéns ao dois!
    Bjs

  4. Nossa, extasiada com sua declaração de amor toque-colisão 😍 Isso sim é começar junho em conexão total com o pluriverso ❤️ ❤️ ❤️

  5. Homenagem bonita, mas com certeza, todo os dias em que há amor é um bom dia para comerar o aniversário deste amor…

    Fique com Deus, menina Lunna.
    Um abraço.

  6. Ainda bem que a vida é um combinado de coisas, de cores, flores e estações.
    Ainda bem que na estrada da vida eu tive o privilégio de conhecer você e o seu querido Marco, o tuo amore.

    Desejo um feliz aniversário, muita saúde e paz ao coração porque ele merece e sei que tem tudo isso ao seu lado. Quando estive com vocês, como disse a Mariana no comentário dela, a gente sai levando um pouco de vocês na gente.

    Que possas a cada dia, ser ainda mais sábio e cortez e que a gargalhada sincera ecoe longe e alcance o coração cujo aqueles lhe querem bem.

    Parabéns ao amigo! Posso chamá-lo assim porque é assim que o considero.
    Um abraço da Lua!

  7. Palavras belíssimas para falar de seu bambino. Marco é uma pessoal adorável. Sou sua fã confessa. Desejo o melhor que o Universo possa dar pra ele. Abração nos dois!!!

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