Meu caro,
Viajei no tempo e espaço durante a nossa conversa, no meio da tarde, quando fugi para a cozinha a fim de combinar ingredientes e te surpreender com aromas. Você chegou antes… com a desculpa de sempre: lavar a louça.
Eu gosto imenso quando chega-fica… e fala de coisas suas, como se enroscasse as suas histórias às minhas, formando um emaranhado de coisas nossas. Me diverti ao saber seu irmão preso no alto… agarrado as cortinas. E sua mãe a implorar para que o tirasse de lá. Tenho para mim que ela se divertia secretamente com a cena, tanto quanto você…
…eu fui uma criança quieta. Não tinha vocação para traquinagens. Preferia passar o meu tempo livre… trancada no quarto, com os livros e cadernos. Adorava quando chovia. Ninguém me pedia para sair de lá.
Quando fazia sol era motivo para ir para o quintal, colher frutas, tomar sol, andar ruas, visitar praças, ver pessoas. Em algum momento alguém sempre perguntava: ‘não quer ir brincar com as outras crianças na rua?‘. Eu respirava minha generosa porção de ar (a qual tinha direito) e cambaleava até lá. Eram as mesmas brincadeiras de sempre… as meninas com suas bonecas e o meninos com a bola de pé em pé.
Eu procurava e encontrava um canto para mim… e de lá ficava a apreciar os movimentos das pernas dos meninos… das mãos das meninas. Do rastro de poeira que o sol deixava no ar. Das asas da farfalla e das nuvens pelo céu.
Vez ou outra, aparecia um adulto (a mãe de alguém) com um jarro de suco e um prato de sanduiches. Formigas no açúcar. Eu não me movia… apenas tapava os ouvidos para evitar a gritaria. Agradecia, como fui ensinada… e recusava. Não comia nada que fosse oferecido por estranhos.
Certa vez ouvi a conversa de duas vizinhas-mães… ela nem parece criança, deve ter algum problema. Está sempre quieta-triste. Não corre. Não brinca. Não come nada que a gente oferece. Deve ter alguma doença misteriosa. É melhor mesmo que não se misture, vai saber o que pode ser…
Minha doença (nada misteriosa) era não ser igual… eu adorava subir em árvores, alcançar o telhado, escalar muros, pisar poças, colher folhas, virar páginas de livros, rabiscar palavras em pequenos pedaços de papéis perdidos… e mergulhar em rios. Mas eu era uma aventureira solitária que não gostava de testemunhas. A solidão era a minha melhor amiga.
E o que gosto em ti é essa necessidade de lugar conhecido-nosso… solitário. A mesa da cozinha para dois. A última hora do dia. O primeiro sorriso da manhã. Mãos dadas por ruas vazias e qualquer coisa de silêncio em algum momento do dia.
Au revoir
Báh! Quanto mais leio suas cartas, mais eu espero que, de repente, ao chegar aqui, me surpreenda sendo eu o seu correspondente. Sim, estou me oferecendo discaradamente. hehehehe
Obrigada, mais uma vez, pela sensação de preenchimento.
Beijos meus.
Ah, que delícia de correspondência e agora que li, é minha e como chove por aqui, os trovões responderam por mim.
beijos
Que delícia de carta-missiva.
Um diálogo comigo ou com qualquer outra pessoa.
Você anda me convertendo em outras entidades: hoje eu sou A.
Bacio
Lunna,
Que delícia ler-te menina.
Adoro quando você escreve para o teu amore, desde o tempo lá do sótão.
Um beijo de fa (nao tenho o till, rs).
Lola
Sua prosa é envolvente, pegamos carona nas ” asas de farfalla e nuvens pelo céu”.
Enquanto te lia lembrei-me do tuo bambino na cozinha a lavar a louça. Pensei que o meu também é igual. Nesses últimos dias, parece a cumplicidade aumentou… a cozinha nos ocupa e a conversa flui… Já reparou como nossas histórias se misturam?