15  | Notícias de ontem, no mundo em que vivo…

Não tenho saído de casa… a pandemia roubou-me a disposição para ir além dos limites do bairro em que vivo. Parei de frequentar cafés, bibliotecas, teatros e espaços coletivos. Não posso dizer que sinto falta. Até o presente momento, o lugar que habito com seus espaços singulares me basta…

Sinto falta, no entanto, de colidir com certas figuras, com as quais dividir um café e uma boa prosa a respeito de tudo e nada. E foi isso que motivou o movimento desta manhã. Troquei de roupas, calcei o tênis que é o mesmo de antes da pandemia e fui às ruas.

A caminho do Café… eu me distraí com a extraordinária notícia exibida numa daquelas telas de televisão em exposição dentro do vagão do metrô: “existem atualmente mais de duzentos mil blogues no mundo”. Achei graça porque é o tipo de notícia que não faz a menor diferença na vida de alguém. É como dizer que julho foi o mês mais seco-quente dos últimos cinquenta anos…

As pessoas vivem em busca desse tipo de informação. Mas eu não dou a mínima. Sou aquela que diz em voz alta: eu sou sagitariana. Mas não gasto um minuto do meu tempo com a leitura dos horóscopos. Gosto imenso da simbologia do signo que me acompanha desde o nascimento. E recordo que não faz muito tempo, resolveram — a partir de algum estudo insano-bobo-sem-sentido — que haveria uma considerável mudança no zodíaco… e colocaram a culpa no movimento da terra. Não sei o que houve com o sagitário no mundo dos homens. No meu corpo, ele continua sendo a desculpa para muitos dos meus atos. Somos um par — como escreveu Emily Dickinson…

Ao chegar ao Café, não resisti e compartilhei a formidável notícia com Z., que viajou mundos nos últimos meses e parecia animado, apesar da cirurgia no olho. Tudo às pressas, disse ele. Foi um susto e tanto. Vi que enquanto falava das surpresas que o olho aprontou, ajeitava o corpo na cadeira e pensava a respeito dos milhares de blogues existentes por aí, inclusive o seu. E após um pesado gole de cappuccino, soltou sua frase cheia de efeito: “eu gostava do meu blogue, mas deixei para lá. Estou sem tempo e as redes sociais ocuparam esse lugar.”…

Engoli o que havia de café na minha xícara e recordei o livro de Patti Smith, que leio de hora em hora, revendo as anotações feitas nas laterais da página. Respirei fundo e enquadrei minha realidade: eu tive um caderno-diário (vermelho) onde escrevia a minha vida, com algumas reticências severas e pontos finais insólitos. Colava nas páginas em branco, pequenos pedaços de uma história que era insistentemente narrada na terceira pessoa do singular.

Mas não foi isso que motivou a criação de meu blogue… essa ferramenta, que foi apresentada a mim por um amigo-parceiro-cúmplice, com quem trocava correspondência, que do alto de seu entusiasmo, disse com sua voz de menino-travesso: ‘essa ferramenta vai te ajudar nas suas decisões futuristas’. Ele sabia da minha decisão e foi o único a dizer: salta… Não que eu precisasse disso, mas foi bom ouvir um som contrário.

Levei dias para criar o ‘espaço virtual’. Tive que escolher o papel de parede, a mobília e o endereço — a parte mais complicada de todo o processo, afinal, quando me mudei para algum lugar, o endereço pré-existente era o nome de alguém-ninguém. Mas o blogue dependia desse Norte para ser encontrado, tanto quanto o carteiro depende do CEP…

Eu vivi o apogeu dos blogues, quando se conquistava facilmente mais de mil visitas/dia… e o seu perigeu quando disseram se tratar de uma ferramenta em vias de extinção. Chegaram as redes sociais… uma depois da outra, o que só fez aumentar a idéia de ‘morte dos blogues’.

Nós gostamos de anunciar o fim dos dias, das coisas, da vida, do mundo: foi assim com o rádio, a televisão, os discos, o livro e a vida na terra — que teve inúmeras datas finais no calendário dos homens. E tudo continua exatamente onde estava: no seu devido lugar…

Enfim, um dia tudo se acaba, mas até lá, eu serei obrigada a conviver com as notícias de sempre… 

Agosto [entre tantas coisas] é o mês do B.E.B.A
e eu terei companhia nessa aventura diária:
Mariana Gouveia – Obdúlio Nunes Ortega – Suzana Martins
Darlene Regina – Mãe Literatura – Alê Helga – Roseli Pedroso

Publicado por Lunna Guedes

Sou sagitariana. Editora de livros artesanais. Autora de romances. Degustadora de café. Uma típica observadora de pássaros, paisagens, pessoas e lugares. Tenho fases como a lua... sendo a minguante a minha preferida!

10 comentários em “15  | Notícias de ontem, no mundo em que vivo…

  1. Parabéns pela postagem. Realmente o blog foi criado para ser um diário virtual. Uma pena que alguns desvalorizam tal espaço ou fazem chacota de quem insiste neles.

    Quanto aos livros… Precisamos nos atualizar. Ebook ou físico, livro é livro.
    Prefiro o livro físico rs

  2. “Nós gostamos de anunciar o fim dos dias, das coisas, da vida, do mundo: foi assim com o rádio, a televisão, os discos, o livro, a vida na terra — que já teve várias datas finais no calendário. E tudo continua exatamente onde estava: no seu devido lugar…”

    Sensacional! É exatamente isso, estamos sempre diante do fim de alguma coisa. Tento cada dia que passa diminuir essa urgência toda que as redes sociais inflamam na minha timeline.

Pronto para o diálogo? Eu estou (sempre)

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: