Sai para as ruas na primeira hora – coisa pouco comum a mim… Acontece que as Alamedas queriam os meus passos e em meio à intranquilidade que habita a minha pele nesses últimos tempos, deixei-me levar pelos contornos do bairro em busca de paz.
Era o que eu precisava e geralmente é o que eu encontro quando saio para as ruas sem destino, orientada pelos meus passos…
Fui me perdendo de mim mesma a cada passo dado. Acho que fiquei num último aceno, entregue a uma senhora que saía de seu prédio para o que parecia ser sua rotina matinal. Passos largos. Roupas leves. E aquele sorriso comum em pessoas felizes…
Eu não sei como alguém consegue ser feliz às sete e meia da manhã… Eu sou qualquer coisa aborrecida, em suspenso, ainda por acontecer nessa hora. Tudo que faço é meio no automático.
Mas aquela mulher de roupas claras estava feliz, e seu sorriso parecia um raio solar a iluminar a calçada. Tão inquietante…
O que me chamou a atenção foi que as rugas em evidência no rosto dela, ajudavam a transparecer uma inegável realidade: ela era uma colecionadora…
Todos nós colecionamos coisas — de maneira consciente ou inconsciente. Mas aquela mulher parecia colecionar conquistas — algo muito fácil para alguns e praticamente impossível para outros.
Há quem só saiba colecionar fracassos e viva estranhamente feliz por ser assim. E há os que colecionam amores impossíveis e o sofrer é na verdade um deleite para eles… Eu tentei colecionar algumas coisas: moedas, cédulas, selos, papel de carta. Falhei miseravelmente. Não sou boa em acumular coisas. Não sei lidar com caixas, álbuns. Nada disso serve para mim… Eu me canso com facilidade… Gosto de renovar-reinventar-mudar…
Mas sou boa em colecionar palavras. Adoro frases inteiras, bem pontuadas.
Ao caminhar Alamedas, com o passo despreocupado, revejo o movimento dos meus dedos pelo teclado, ouço o chiado gostoso do grafite no papel e sinto a pele preenchida por todas as sensações que a escrita provoca.
Muitas vezes é como se eu não tivesse saído de casa. Meu corpo permanece à mesa, com os olhos grudados na tela e os dedos entregues aos movimentos ininterruptos pelo teclado… Escrevo no ar. Um texto inteiro, até esvaziar-me de um punhado de emoções acumuladas. Também não sou boa em colecioná-las. Gosto de me livrar das coisas. Desde a infância que adoro fazer faxinas nos papéis, gavetas, caixas… e tenho até um mês de preferência para essa atividade-sagrada.
Eu me lembro que quando comecei a escrever, perdi inúmeros textos. E me irritei algumas vezes. Era sempre o meu melhor que havia ficado pelo caminho, enroscado em um arbusto. Com o tempo eu percebi que idéias não se perdem… transformam-se em outras coisas: melhores ou piores. Isso depende de mim.
Mas aquela senhora feliz, ao contrário de mim, era uma acumuladora e tenho para mim que quando a vida lhe faltar, os seus herdeiros terão muito trabalho.
Comigo será diferente… tenho cada vez menos coisas.
A sua coleção de palavras é a coisa mais linda dessa mundo!!
Coleciona escritos e escritores, minha cara!
Acho que estou assim: com menos coisas físicas e mais emoções guardadas na memória. Ah, reler seus textos faz bem pra alma.