Há pouco eu vi uma folha desprender-se de uma árvore. Estava no meio do passo, com as mãos guardadas nos bolsos da calça. O pensamento ia a galope. Foi um voo lento… o último. Recordei um poema de miss Emily e cheguei a pensar em correr para recolhê-la em minhas mãos, antes que tocasse o chão — o seu sepulcro. Mas não o fiz. Fiquei presa entre a vontade rasa e uma lembrança inelutável. Não me movi por alguns segundos, tempo suficiente para acompanhar o pouso da folha no meio do asfalto cinza, com suas muitas ranhuras, que são como estrias ou veias.
Hoje é o primeiro dia de primavera e no lugar de flores, são folhas que caem. Eu me divirto com a confusão das estações. Não há ciclos cheios. Há dias quentes e frios que dependem da força dos ventos que trazem nuvens em grandes maços.
Eu sinto falta dos rituais da infância. Os maços de flores enrolados em jornal. A mesa da cozinha. A caixa com apetrechos de jardinagem e velha tesoura para ajeitar as flores nos vasos. Cada cômodo com uma cor e um tipo de flor. Tulipas vermelhas, hortênsias azuis, margaridas africanas… Mas o momento especial era quando acontecia a floração da laranjeira no fundo do quintal — a árvore de fruta foi um presente de aniversário. Veio pequena, em um vaso. Era para colocar num canto qualquer. Não houve dúvidas. Foi direto para o chão e quando eu cheguei a casa 141 da Vila Giuliana, era maior que eu… Quando alcancei os meus sete anos, tinha o dobro do meu tamanho. Escalei o tronco, alcancei os galhos e fui apanhar o fruto na parte mais alta. Não houve surpresa, nem susto. Ela cruzou os braços e me mandou descer — não foi um pedido. E eu saltei sem dificuldades. Tenho certeza de que iria me dar uma bronca, mas quando estiquei a mão e lhe dei o que considerei a maior laranja do pé, tudo que conseguiu fazer foi exibir um enorme sorriso. Ela descascou a laranja e dividimos os gomos.
Acho que ela teve certeza naquele instante de que eu não seria uma criatura fácil…