Hoje é segunda-feira…

(…) ela acreditava ter superado a idade de corar, mas certamente 
não tinha ultrapassado a idade da emoção. Nada existe neste  momento e neste instante
em que nos (des)encontramos. nada existe para além do que nos afasta do que é inevitável. 
Esta vida é feita de proximidades e distanciamentos. Há barulho, ruído e distorção. 
– a vida só se dá a quem se deu. (daqui)

Dia de começar a ler novos livros. Mas eu escolhi um livro antigo ao ir a prateleira pela manhã. Poemas de Campos e as inúmeras marcações feitas nos dias de ontem. Dia excelente para uma caminhada nas primeiras horas e, depois uma xícara de chá de morango silvestre… Por fim, sentar-se no canto do sofá para tecer missivas imaginárias para contar as coisas boas da vida para os fantasmas que habitam as paredes do lugar, enquanto sinto o calor da xícara nas mãos. Sem papel ou envelope. Apenas o lado de dentro dialogando com o lado de fora…

Eu tenho um punhado de coisas para contar-inventar. Coisas inteiras – pela metade. Coisas minhas-alheias… que vão acontecendo dentro de uma segunda-feira que é um dia que não agrada a maioria, mas é o único que sei pontuar. Todos os demais escapam-me.

Não entendo o desconforto! É o dia da lua… de ir para a rua, como escreveu a poeta. Dia de movimentar o corpo ao som de uma música propícia… De preencher os espaços vazios. Encher a xícara com chá… Fazer brigadeiro. Pensar os dias seguintes. Sonhar a caminho de lugar nenhum. De sentir o rosto úmido pela água fria. De fechar os olhos para ouvir o cuore… De observar as voltas dos ponteiros sabendo que as horas voltam ao ponto de partida e será sempre tarde demais para muitas coisas e cedo para outras tantas.

Segunda é o dia que antecede a terça… dia comum, sem entusiasmo algum e que sucede o domingo; esse dia que eu não entendo como antes. Houve um tempo em que o domingo era dia para encontrar e estar junto. Hoje é apenas uma rota para a segunda.

E daqui de meu canto de mundo, enquanto escrevo, questiono-me: “como é possível não gostar da segunda-feira?” …e sem uma resposta convincente, avanço porque hoje é segunda-feira, a xícara está cheia, a primeira página ainda não chegou ao fim e ainda não fui a todos os lugares que gostaria de ir…

Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que não se pode fechar de tão cheio,
Todos os lugares onde estive, todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando, e tudo isso,
que é tanto, é pouco para o que eu quero  (…)

Álvaro de Campos