* Nirlei Maria Oliveira palavr(Ar)
Há dias em que quero que o mundo todo se acabe. Como naquelas cenas finais de filmes apocalípticos em que quase ninguém sobrevive. Há falas em demasia nesse século que já nem é tão novo. Perceberam o cheiro de mofo, no ar? Pior, todo mundo nesse tempo sabe tudo, entende tudo e tem certezas bem pontuadas a respeito de tudo. Estão sempre certos e os outros errados.
Que cansaço asfixiante!
Sinto como se estivesse a viver o pior dos verões e a qualquer momento, a moça do tempo viesse com aquelas notícias sem efeito: é o verão mais quente dos últimos não sei quantos anos. Nem sei mais quem é a figura de voz bonita a anunciar os dias de sol e de chuva na cidade-país. Me divertia horrores quando a Maju anunciava com toda a sua elegância as previsões para o fim de semana. Mas nunca entendi as comparações feitas com outros tempos, estações. Eu sempre pensava: mas o que isso quer dizer?
No instante seguinte a pergunta: eu me lembrava das tempestades solares e as promessas nunca cumpridas de que tudo derreteria aqui na terra, que não é plana, por isso gira e as coisas são cíclicas. Como cantou Marisa Monte: eu sei, eu sei, eu sei meu bem.
Eu não sou uma pessoa com necessidades extravagantes. Não preciso estar certa. Não quero estar certa. Não preciso disso. Eu insisto em erros, por prazer. Detesto antecipar fatos. E odeio os avisos deixados no ar, que se assemelham a sirenes de ambulâncias a anunciar o pior: eu avisei. Ah, pronto… no dia seguinte a todas as desgraças, alguém sempre aparece com essa frase de efeito.
C., não avisava… ela tinha uma lista de coisas que não deveriam ser feitas. Nenhum dos itens, no entanto, incluía não errar. O principal item era: não falar com estranhos e não aceitar nada que me fosse oferecido, apenas agradecer com toda a educação que eu deveria ter e demonstrar pelo outro. Confesso que, às vezes, fico apenas com o sorriso, dada a quantidade de bobagens ditas por minuto. Ausento-me do diálogo, mergulhando nos meus abismos à procura de sossego e silêncio. Penso no instante em que antecede o café, com aquele som rouco da cafeteira a despejar na xícara aquele fino fio líquido escuro. Volto no tempo, lembro do mio nonno. Gostava imenso de vê-lo pegar os grãos com suas mãos grandes e despejar na engenhoca de ferro que fazia um ruído quase inaudível quando ele girava a manivela. Várias vezes, ele me deixou fazer o movimento no lugar dele e parecia ser a coisa mais importante do dia. Eu dizia, toda cheia de si: eu ajudei o nonno a moer o café e abria o mais largo dos sorrisos.
Curioso que, naqueles dias, eu não gostava do líquido escuro e não o levava à boca. Considerava amargo, sem graça. Fiz careta ao experimentar e passei a virar a cara para o outro lado, fugindo da xícara-bebida. O nonno bebia de estalo… a cada gole, fazia aquele som gostoso que me fazia rir. Soube depois, que ele só fazia isso quando eu estava por perto porque adorava me ver sorrindo.
Lembro-me de seu olhar cheio no dia em que estiquei a canequinha de ágata. Brindamos o nosso momento. Trocávamos sorrisos e pesados goles. Não sei o que ele pensou. Desconfio que soube que eu não era mais a pequena bambina. Havia crescido…
Na companhia daquele homem — um dos meus gigantes favoritos — vivi os mais deliciosos momentos de silêncio e, agora, enquanto escrevo, em meio a tantos fogos de artifícios humanos, tão certos de seus discursos vazios, leio o poema escrito por Nirlei e, por um breve instante, desfruto da companhia do mio vecchio.
Eu preciso de um café, alguém mais?
Nesse novembro [entre outras coisas] vamos de #blogvember…
Aventuram-se em linhas diárias: Mariana Gouveia, Obdulio Nuñes Ortega,
Suzana Martins e Roseli Pedroso
Seu texto me calou em um dia quieto e tocou meu cuore.
Grazie tanto!
Acabei de acordar e amei tomar o meu café consigo e “suo nonno”, Lunna!
Estou aqui tomando café com cardomomo lendo as linhas e entrelinhas do seu texto inspirador. Um ritual de silêncio tão necessário em tempos de sons vazios e gritos sem argumentos. Obrigada, querida Lunna! Bjos