* Mariana Gouveia (o lado de dentro)
Ao ler o poema escrito por Mariana Gouveia nas primeiras horas de céu azul e sol forte na manhã de hoje… fui revirar minhas coisas, como se fosse uma manhã de sábado. Eu troco os dias de lugares e isso não é novidade e como havia um feriado entre nós e lá fora a cidade adormecia em paz, foi fácil esquecer a terça em algum canto da pele.
Coloquei a chaleira no fogo e o verso ficou cantando na minha mente, competindo com a música da Rosa Linn que nessa semana ouço no repeat… Fechei os olhos e fui embora. Atraquei na primeira semana de aulas, na escola.
Estava quente e no céu poucas nuvens ziguezagueavam por cima dos prédios. Não choveria e isso me fazia suspirar pesado pelo caminho de asfalto que eu percorria de mais dadas com C., naquela hora cheia e que saberia que seria um caminho para os meus pés pelos próximos meses-anos e isso me aborrecia.
C., se esforçava para respeitar a lentidão do meu passo, que se arrastava contrariado. E eu inventava motivos para não andar. Encontrava folhas e pequenas pedras, que precisava recolher. Eu me distraia com o vôo dos pássaros e o movimento insano de alguns insetos. O meu olhar não queria perder nada.
E gostava de observar a maneira como o pé de C., equilibrava-se nos saltos. Às vezes, eu olhava para trás, procurando por rastros-nossos. Mas raramente havia. Quando chovia ficava qualquer coisa de onda nas poças.
Como o meu corpo fazia acrobacias… ela sorria ao me ajudar a equilibrar-me: procurando por rastros novamente? Eu gostava de ouvir essa pergunta. Era bom sabe-lá atenta às minhas esquisitices. Embora não fizesse ideia sobre como ela sabia certas coisas a meu respeito.
A minha sala de aula ficava perto da escada que levava para o andar de cima, onde os mais velhos estudavam. Era a primeira ou a última, dependendo de quem fosse questionado a esse respeito.
C., entrou comigo no segundo dia. Quis saber onde eu me sentava e eu apontei para a mesa perto da janela e avisei que eu não tinha uma dupla e ela não ficou surpresa ao saber disso. O observou a sala numa espécie de varredura. Eu conhecia bem aquele olhar. Certificava-se de que as coisas todas estavam onde deveriam estar. E como não identificou perigo, se despediu. Antes de ir… disse em meus ouvidos: se ficar impossível para você, lembre-se do único lugar em que nada-ninguém pode alcançar.
Trocamos sorrisos cheios… E eu lutei com todos os meus músculos e nervos do meu corpo para não me levantar e ir embora com ela. Mas ali era o meu lugar no mundo — todos os dias, durante cinco intermináveis horas. Uma tremenda perda de tempo. Aulas de risquinhos, de contação de histórias bobas e desenhos monótonos.
Susan Sontag usou a palavra inquieta (restless) para descrever a sua infância e até ler a sua entrevista, não tinha pensado a respeito disso. O meu olhar avançou paisagens, alcançou janelas abertas — pequenas telas de Hopper. A única palavra que me veio à mente foi: insuportável.
A chaleira apitou e eu interrompi o navegar… abri a porta do armário, peguei a caixa e escolhi o saquinho, repetindo verso-música numa bagunça particular. Rindo da minha rebeldia…
No terceiro dia de aula, eu comecei a comparar os colegas daquela turma boba, com os meus vizinhos. A diferença é que eu não podia evitá-los ao fechar a porta…
Mas foi divertido posicionar cada um deles nas casas da minha rua e imaginar como seria a vida deles. Comecei a escrever minha segunda leva de contos — todos de horror, é claro. E a minha leitora divertia-se ao ir me buscar e tentar adivinhar os personagens-pessoas com quem convivia naquele espaço-tempo perdido de vida.
Nesse novembro [entre outras coisas] vamos de #blogvember…
Aventuram-se em linhas diárias: Mariana Gouveia, Obdulio Nuñes Ortega,
Suzana Martins e Roseli Pedroso
Imagino que seus lápis devem ter sido responsáveis por diversas mágicas… E C., para mim, surge como a sua fada madrinha…
Gosto de te espiar daqui da minha janela e agora, tenho até trilha sonora.