* Suzana Martins (In)Versus
Eu sou uma criatura silenciosa — não gosto de barulhos e de sons infernais. Na infância eu sofria horrores com o grito das outras crianças. Até hoje me incomoda. Reverbera por todos os cantos da pele-alma… E repito certos gestos: fecho os olhos ou removo os óculos — que aprendi com outra pessoa. Ele ocupava o lugar à mesa do café da manhã para ler as páginas de seu jornal, em paz… e sorver seus preciosos goles de Café. Éramos apenas os dois por alguns preciosos minutos. E era como se não houvesse uma criatura naquela cozinha. Até o jeito de devolver a xícara no pires era cuidadoso, para evitar sons desnecessários. Eu sabia quando o barulho iria começar porque ele olhava para o relógio que trazia no pulso, conferindo o timing do despertar alheio. Ele era cirúrgico… os sons de passos no assoalho soavam como o carrilhão da casa do nonno.
Eu gosto do silêncio dos cômodos de uma casa vazia. De observar a imobilidade dos móveis e os lugares que ocupam. De tatear as paredes e aproximar o ouvido para ouvir os fantasmas dos dias-passados. Observar as molduras e o que elas protegem. Os porta-retratos. De sentir a textura do piso na sola dos pés e a densidade de seus tapetes… E de provar das flutuações do caminho.
E quando estou nas ruas… Gosto de me misturar à multidão e seus zunidos — uma caixa de abelhas, como escreveu Emily Dickinson. Eu consigo escapar e ter a minha generosa porção de paz. Desaparecer em meio a tantas outras criaturas é tão fácil. Eu gosto imenso de ser engolida por não ser ninguém, apenas mais uma — na contramão, na maioria das vezes.
Mas eu que eu gosto mesmo é do silêncio que cabe dentro de uma folha em branco com suas linhas perfeitas e sua textura macia. Ou da página do Word com o seu cursor sempre faminto a pedir por palavras e mais palavras.
Ignoro a realidade e todos os mundos. Fecho-me dentro… Sou aquela pérola dentro da ostra. Sou o Universo gestando planetas, estrelas, meteoros, cometas… Uma via láctea inteira. Tudo isso e nada ao mesmo tempo.
E me dissolvo em milhares de fragmentos, que reunidos, às vezes, quando alcanço o ponto exato de colisão, dizem tudo que sou…
Neste novembro [entre outras coisas] vamos de #blogvember…
Aventuram-se em linhas diárias: Mariana Gouveia, Obdulio Nuñes Ortega,
Suzana Martins e Roseli Pedroso
5 comentários em “* Aprendi com as palavras o que eu não consegui com as asas: voar!”