Aos cuidados do meio-dia…

Coloquei a água no fogo e comecei a separar as folhas de hortelã. Aroma delicado de folha verde no Ar. Fechei os olhos e voltei algumas casas, como naquele jogo da infância em que se joga o dado e avança o peão. Vez ou outra, o tabuleiro manda você recuar não sei quantas casas. Eu sempre gostei disso… Mas eu não sei para onde fui parar. Sensação de estar a bordo de um trem, com as paisagens em movimento.

Gostava imenso da filosofia das viagens: o som dos trilhos e as paisagens em volta. As montanhas, as plantações e a vegetação rasteira. As pessoas em suas rotinas particulares. Os desenhos de ruas e a arquitetura das estações… e das cidades.

Era tudo o que eu entendia de passado naqueles dias. Quando se é criança, o baú da memória está vazio e não fazemos idéia do quão prazeroso será levantar a tampa para espiar dentro quando estiver cheio…

O que me faz pensar em Álvaro de Campos e seu belíssimo poema: “passagem das horas“… Trago dentro do meu coração, Como num cofre que se não pode fechar de cheio, Todos os lugares onde estive, Todos os portos a que cheguei, Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias, Ou de tombadilhos, sonhando, E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.

Ao estudar história no colégio, percebi que o mundo tinha os seus baús. Mas não senti alegria ao espiá-los. Eram como uma caixa de pandora, de onde saiam todos os horrores dos homens. Ainda me lembro da nonna rindo do meu incômodo com a Mesopotâmia — o berço da civilização.

Disse a ela que preferia virar as páginas dos livros de poesias por encontrar ali qualquer coisa de memória-realidade-fantasia, como se todas aquelas emoções fossem minhas: Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei… Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos… Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti, Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir / E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.

A água ferve… o chá fica pronto. Aproximo-me da xícara e provo do aroma conhecido. Respiro fundo e vou revindando as minhas páginas. Nesse novembro — que chega ao fim hoje — senti falta de lugares-pessoas. Mas é bom saber que após quatro décadas inteiras o meu baú está cheio… com muitos ontens colecionáveis para acessar ao escrever.

Páginas em branco são portas abertas por onde passo com toda a minha bagagem…

Neste novembro [entre outras coisas] vamos de #blogvember…
Aventuram-se em linhas diárias: Mariana Gouveia, Obdulio Nuñes Ortega,
Suzana Martins e Roseli Pedroso

Publicado por Lunna Guedes

Sou sagitariana. Editora de livros artesanais. Autora de romances. Degustadora de café. Uma típica observadora de pássaros, paisagens, pessoas e lugares. Tenho fases como a lua... sendo a minguante a minha preferida!

3 comentários em “Aos cuidados do meio-dia…

  1. o cheiro de menta exala aqui. Trovões e raios – ou seria ao contrário? – ecoam aqui. Vai um chá? Aprendi fazer o chá azul.

Pronto para o diálogo? Eu estou (sempre)

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