Aos cuidados de Dezembro…

Meu Caro Dezembro,

Não consigo me entender com os teus dias… desde que mudei de Continente. Saltei dos dias brancos e dos hábitos de inverno diretamente para os dias coloridos e roupas tropicais. Não consigo me acostumar, é como se tivesse que equilibrar bolinhas nas mãos, soltas no ar… Se bem que se eu praticasse, talvez conseguisse um bom resultado, ao contrário do que acontece com os teus dias. São duas décadas de cores…

Quando criança, os teus dias eram brancos e eu ganhava luvas de lãs e um cachecol vermelho no primeiro teu primeiro sábado. A pressa invadia os corpos das pessoas e eu me perdia dos movimentos. Nem parecia que teríamos 31 dias pela frente. Talvez por ser o último capítulo do ano, as pessoas queriam deixar tudo pronto para o tal do ano novo. E o tempo não colaborava… se esvaia. E quanto mais rápido eles iam, mais ligeiro eram os teus dias; que para mim eram meio modorrentos. Demorava a passar. Não importava o que eu fizesse… sempre sobrava horas-dias-semanas.

Eu não tinha bagunças para ajeitar. O meu quarto era impecável: guardava todas as minhas coisas nos seus devidos lugares. Como eu não fui uma criança que gostava de brinquedos… facilitava as coisas. Meus livros eram devolvidos à prateleira e os cadernos guardados na gaveta… na segunda-feira pela manhã. Nos outros dias se espalhavam pelos quatro cantos do meu quarto. Alguns iam parar debaixo da cama porque era para lá que ía… espiar o meu mapa secreto.

Mas era dentro de teus dias que eu embarcava para a casa da nonna. Eu sabia o trajeto de casa até lá… de cor, o que significava saber o nome de cada cidade por onde o trem passava. Era o melhor dos rituais, ocupar o lugar, observar as pessoas e perceber a velocidade dos trilhos e ouvir o apito sonoro da locomotiva. Mas assim que eu pisava na plataforma da estação, eu começava a ouvir o som do carro do nonno, que reclamava o caminho todo.

Ele chegava antes de nós…. sentava-se no mesmo banco e vigiava os ponteiros de seu relógio de bolso. Enquanto cumpria o seu ritual de espera, observava as pessoas chegando e partindo e eu repetia, como se tivesse herdado dele, esse hábito… e outros tantos.

Eu o avistava de dentro do trem e era tomada por uma alegria com o dobro do meu tamanho. Queria correr em direção a ele e saltar naqueles braços enormes, que me levantavam no ar e me faziam rodopiar pelos ares. Como eu era a menina das gaivotas, aquele era o meu momento-pássaro.

Ah, meu caro Dezembro, ainda não descobri como viver os teus dias. E talvez isso nunca aconteça porque quando espio o calendário e dou pelos teus dias, penso nas luzes de Natal que se multiplicam nas casas, prédios, lojas e nas festas que eu nunca comemorei.

O máximo que eu consigo, meu caro… é pensar em você como um último capítulo de um livro-lido ao longo dos últimos meses. Agora resta decidir se valeu ou não a pena… a leitura. Mas não vou pensar nisso agora.

Publicado por Lunna Guedes

Sou sagitariana. Editora de livros artesanais. Autora de romances. Degustadora de café. Uma típica observadora de pássaros, paisagens, pessoas e lugares. Tenho fases como a lua... sendo a minguante a minha preferida!

3 comentários em “Aos cuidados de Dezembro…

  1. Nossa, já é dezembro! Parece que foi ontem que a gente desejava um ano bom.
    Me embarco contigo em tuas memórias… Grazie!

Pronto para o diálogo? Eu estou (sempre)

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