Manhã de nuvens…

Cara Rozana,

Choveu há pouco. Mais uma Tempestade de Novembro. Chegou silenciosa e mansa — sem fazer alardes. Mas eu senti em cada músculo e nervo de meu corpo. Desde pequena que eu sinto as Tempestade na pele, por dentro e por fora. Vibro com os trovões, os relâmpagos e com os raios. Alguma coisa em mim se alimenta dessa força.

Ainda existe qualquer coisa de sol lá fora. Mas os guarda-chuvas passeiam abertos pelas calçadas. Estão cada vez mais coloridos. Quando criança… eu tive um vermelho e achava maravilhoso o fato de ter a mesma cor dos telhados — para onde eu fugia toda vez que eu escutava o som de uma embarcação se aproximando da costa. Aquele som ainda ressoa em minha memória. Um som oco-imenso e poderoso. Como o da locomotiva que eu via serpentear por entre as árvores do velho bosque da cidade. Eu sabia de onde vinha. Fiz aquele percurso durante toda a minha infância e parte da minha juventude. Como foram incríveis os meus verões que começavam a bordo de um Comboio. Eu gostava imenso de espiar pela janela do trem e ver as coisas todas em movimento — futuro e passado conviviam em plena sintonia. As cidades que ficavam para trás e as pessoas…

Teve uma vez que um bando de criança tentou ser mais veloz que a locomotiva. Fizeram muita força. Pareceu, ao vê-los, que iriam conseguir. Houve gente dentro do vagão torcendo por eles. Eu não! Eu torcia pela locomotiva. Imponente, furiosa. Uma Senhora. Uma Dama. Uma Lady… e não havia nada de delicadeza nela. Pelo contrário. Era do tipo que recolhia as mangas, prendia os cabelos e corria. Como era ligeira, a danada. Os meninos não tinham chance contra ela.

Minha última viagem de trem foi meio sem graça. Parti da estação da Luz com destino a Jundiaí. Estrada velha, em manutenção. Trajeto todo acidentado — feito em velocidade reduzida. Chamou a minha atenção o túnel e a uma lenda, que foi citada por algum passageiro. Ao pesquisar a respeito: a decepção. Uma grande bobagem e eu que havia pensado em escrever um conto… a la Pôe — murchei.

O tal fantasma do túnel pode pertencer a qualquer pessoa — ou várias. Muitos escravos morreram durante a construção da estrada de ferro — projeto do Barão de Mauá que investiu tudo, inclusive sua reputação nesse grandioso e desacreditado projeto, que rasgou o Estado com seus trilhos, dando vida a muitas cidades que surgiram às margens das estações; erguidas apenas para escoar a produção de grãos. Não consigo evitar pensar na decepção de seu criador ao ver seu projeto preterido pelas estradas que mesmo sendo as melhores do país — são um traço monótono e frio. Quem viajou de trem sabe que é uma viagem à parte… Que se assemelha ao ato de escrever uma missiva à mão, preenchendo uma folha com tudo de si — tendo o outro como destino, sendo a única opção: o embarque! E se há resposta é porque a viagem valeu a pena.

Até breve

Ps. Não faço idéia a qual árvore pertence à folha que lhe envio — ao caminhar com a Jane dog pelo bairro, o vento soprou forte e ela se enroscou em meus cabelos. E como tinha lhe escrito minutos antes, compreendi que um aceno para as suas linhas-envelopes. 

Publicado por Lunna Guedes

Sou sagitariana. Editora de livros artesanais. Autora de romances. Degustadora de café. Uma típica observadora de pássaros, paisagens, pessoas e lugares. Tenho fases como a lua... sendo a minguante a minha preferida!

3 comentários em “Manhã de nuvens…

  1. Ah, que venham as folhas e suas variações em cada estação! Os olhos saltam de alegria pelas linhas das folhas do papel sortido que você tão bem incorpora e labora!

Pronto para o diálogo? Eu estou (sempre)

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