Cara Luana,
É a primeira vez que lhe escrevo e eu gosto imenso disto: a idéia de uma nova correspondente me faz sorrir — me leva de volta no tempo, quando os envelopes chegavam de várias partes do mundo, dizendo novidades singulares.
E eu que não era boa em conviver com pessoas, estabelecia contato com “novas formas de vida”. Criaturas feitas de papel: sem corpos. Apenas alma… Traduzida em palavras, que diziam realidades, lugares e teciam confissões.
Sabia tudo e nada a respeito daquelas figuras disformes. Achava curioso quando recebia fotografias. Na qualidade de leitora, o meu imaginário desenhava possibilidades — raramente acertava. Pior, às vezes, acontecia de a imagem enviada entrar em conflito e não combinar com o que dizia as linhas das missivas que lia. Era um efeito espantoso, minha cara.
Eu me lembrava da descrição feita pela poeta Emily Dickinson em carta enviado ao Senhor Thomas Higginson e me divertia horrores ao tentar imitá-la — repetindo-a: sem enviar uma fotografia minha.
Curioso pensar nisso ao escrever-te nesse tempo de exaltação do “eu” — as redes sociais nos vendem e eu só consigo repetir o verso de Caetano “é que Narciso acha feio o que não é espelho”.
Enfim, se fosse me descrever para você nessas linhas, eu repetiria a menina que eu fui: arisca e rebelde, inquieta e atrevida. Pouca coisa mudou nesse sentido. Para lhe ser sincera, penso que piorei. Mas sigo sendo marinheira… De primeira viagem (?) talvez… A única certeza que tenho é que estou sempre disposta ao embarque e sou a que grita alto por dentro: barco a deriva, consciente de que essa é a minha melhor condição.
Grata por receber-me em tuas preciosas mãos e aceitar-me em teus olhos.
Au revoir
De vez em quando eu me pego intrusa nas missivas destinadas a outros.