Sampa, 469

panamérica de Áfricas utópicas…

São Paulo é uma cidade logarítmica… com centenas de portões incumbidos de manter inúmeras pessoas do lado de fora e outras tantas do lado de dentro. Milhares de carros, passos e olhares passam pelas mesmas vias, todos os dias, num atropelo desenfreado de movimentos. Os congestionamentos batem recordes e são uma espécie de nó impossível de desatar mas há quem escape, inventando outro traço-reta-círculo, enquanto o circense equilibra-se entre o vermelho e o verde dos faróis.

Pelas caclçadas… centenas de árvores rasgam o chão para respirar, enquanto outras, sem espaço, caem e o prefeito quer fazer do pedaço de chão destinados aos passos, lugar para os carros. E há dúzias de prédios e casas que estão a ruir enquanto os estacionamentos brotam entre vãos para os veículos que embaçam o ar, cada vez menos respirável…

Quando chove… litros de água desmoronam em cortinas de gotas furiosas que levam poucos segundos para inundar as ruas, que nascem sobre rios que, enterrados ou não: transbordam… e muitas pessoas “se afogam” em lamentos repetitivos.

O clima mudou. Há tempos não faz tanto calor — diz a moça do tempo, querendo impressionar, como se não bastasse as altas temperaturas anunciadas por diversos relógios espalhados pelas vias de uma desorientada Paulicéia.

Lembro que alguém pichou o muro da casa do antigo prefeito da cidade. Uma espécie de grito que dizia: sampa não está à venda — com a mesma tinta e caligrafia horrenda que pode ser vista em paredes e muros da cidade, que me faz lembrar a velha Europa, em seus piores dias.

Mais uma soma nessa metrópole matemática.

São Paulo sempre esteve a venda — retruco enquanto escrevo e relembro o trajeto do ônibus, que atravessa a Avenida Paulista… essa reta inventada em terras alheias para ser futuro-promessa. Quem aqui vive desconhece a história que cada construção esconde. E grita asneiras para meia dúzia de tolos… repetir e se engasgar. A maioria nada sabe do lugar onde pisam-moram.

Aqui é terra de quem paga mais… leva. Mas nada é de graça. Caetano cantou “a força da grana que ergue e destrói coisas belas“… É preciso suar para conquistar espaço. E foi assim desde o começo.

Os portugueses ao desembarcarem no ‘planalto paulista’ cuspiram no solo pantanoso. Não havia o que aproveitar: ‘em se plantando nada dá’ –– proclamaram e foram embora, deixando para trás, um lugar com ‘clima ruim’, solo irregular, entrecortado por dezenas de rios com péssima fama.

Acharam melhor explorar outros lugarejos, repletos de riquezas. E o Planalto invadido em 1554 não conseguiu ser traço no mapa do país. Esquecida… Virou abrigo para os jesuítas e pouco depois, alcançou o status de vila de passagem para os Bandeirantes — heróis para uns, vilões para outros. Com o facão em mãos, essa gente matou os herdeiros de Tupã, rasgaou matas e fez os primeiros traços do mapa do ‘futuro’ Estado mais rico do Brasil.

São Paulo nasceu na condição de cidade há pouco mais de cem anos — ironicamente — porque soube seguir o fluxo do Rio. Aproveitou-se do dinheiro verde… quando foi o maior produtor de Café do país. Reinventou-se antes do caos. Foi pioneiro ao compreender os seus ciclos e estaões. Aqui tudo muda muito rápido e se não entende isso, fica pelo caminho: da indústria ao comércio… dos négocios ao entretenimento — tudo isso é parte de uma soma insana, que atraiu para si, os olhares do mundo inteiro…

São Paulo está sempre na contramão… É a que pede para deixar a esquerda livre na escada do metrô. Talvez por isso, soe tão estranho esbarrar em tantas criaturas conservadoras… a reclamar-esbravejar das mudanças que emergem deste solo.

Da Vila de Piratininga — nascida nos arredores do Pátio do Colégio — pouco restou. Mas a profecia de lugar assombrado se concretizou. São Paulo é um monstro urbano, que se reinventa de tempos em tempos  — mastigando e engolindo o próprio passado, cuspido em forma de futuro.

São Paulo não foi pensada para ser uma cidade… Foi o sonho individual de alguns. O delírios de outros… Um belo punhado de milho atirado aos pombos, que dividem espaço com os pardais. Cada bairro da cidade é um pequeno país e os idiomas se multiplicam de uma esquina a outra.

Ser estranheiro nessas ruas é condição sine qua non. E somos todos paulistanos porque a cidade abraça e dá as boas-vindas a quem chega e não se incomoda de mandar embora quem não se adquea. São Paulo não é para uns e é para outros.

E por ser essa soma-subtração-adição-divisão é que a frase do do falecido frasista, cavalheiro e publicitário Carlito Maia ecoa em minha boca: Amo São Paulo com todo o meu ódio

Publicado por Lunna Guedes

Sou sagitariana. Editora de livros artesanais. Autora de romances. Degustadora de café. Uma típica observadora de pássaros, paisagens, pessoas e lugares. Tenho fases como a lua... sendo a minguante a minha preferida!

8 comentários em “Sampa, 469

  1. Menina Catarina/Lunna, amo sua escrita. Amo o jeito como fala de sua cidade. É uma delícia provar da paixão que você demonstra. Mas vou te contar uma coisa: gosto de São Paulo não. Me assusta tanta gente, tantos prédios. Essa soma ai é muito para mim. Mas quando leio sobre a sua são Paulo, ai eu amo. beijocas

  2. Meu passatempo favorito é pegar um ônibus sem destino e sair apreciando cada detalhe desse gigante que é São Paulo. A cidade que nunca dorme, apenas ressoa de leve.

    Um excelente texto, bem dedilhado…

  3. Como você, amo essa terra insana. É amor verdadeiro pois conheço todos os seus defeitos e belezas e mesmo assim, aceito-a exatamente como ela é. Aqui tem de tudo. Tudo mesmo, rs. Não saberia viver em outro lugar! Linda homenagem Lunna! Bjs

  4. Moro logo ali, descendo a Serra. Dizemos por aqui que nossa cidade é uma província de Sampa, porque dependemos muito daí. Vontade de residir em São Paulo eu não tenho, mas a cidade tem seus encantos. Gosto de passear, de ir a museus, de andar de metrô (risos), de ir ao Mercado Municipal comer o pastel de bacalhau…

    Amei o texto!

    Bjs

  5. Lunna, estou encantada com seus textos!
    Que bom que você voltou com um outro olhar para nossa São Paulo.
    Eu AMO minha cidade e sua loucura

    Bjs

  6. Linda sua homenagem a SP…hoje moro em um outro município bem vizinho, encostadinho pra dizer a verdade pois eu moro na linha divisória entre um e outro. Mas mesmo sendo tão perto nada se compara a SP que AMO!!

    Bjs

  7. Conheci São Paulo de verdade sob seu olhar… tu me indicando calçadas, caminhos na Vila Mariana… Depois, na Liberdade… me reconheço em cada caminho que você me guiou.

Pronto para o diálogo? Eu estou (sempre)

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