Cresci em uma Vila italiana, com duas ruas e casas dos dois lados, devidamente numeradas. A nossa era a mais antiga. Uma sobrevivente, dizia o mio babinno. A primeira construção, situada na esquina, com seus contornos de pedras, quintais verdes, muros altos, degraus de cimento e caminhos de pedregulhos. As outras eram mais comuns e modernosas — feitas e refeitas inúmeras vezes…
Eu conhecia todas as criaturas que ali viviam… Na casa da frente, vivia uma família esquisita. A casa deles afundava-se no terreno, enterrando as muitas histórias estranhas que chegavam aos nossos ouvidos pela boca da outra vizinha — uma figura solitária, envelhecida e aborrecida que abria a janela da sala, antes da sete e fechava depois das oito horas noturnas. A criatura sabia a vida de todos e o que não sabia… inventava. Criou desavenças várias, em diversas casas. Com a nostra famiglia nunca mexeu… A donna não ousava enfrentar o meu olhar. Toda vez que esticava os olhos até ela, fechava a janela num movimento furioso. Pior que ela, era a dona Federica que gostava de arrastar as crianças das rua, pelas orelhas e gritava com a filha, o marido e todos que agissem fora de seus padrões cristãos. Viúva, dizia-se de boca em boca, que o marido morreu para se livrar da esposa.
A melhor das vizinhas era uma portuguesa… a cada dela tinha fama de assombrada. A mulher lusitana não gostava de pessoas, preferia os animais — cães e gatos que ela, e com quem conversava enquanto regava suas plantas, que cresciam desordenadas por todo o quintal.
Eu fiz amizade primeiro com os cães, que me apresentaram à Mulher que abriu o velho portão rabugento, convidando-me a entrar. Passamos a tomar chá com bolo nos finais de tarde, cercada por gatos, cães e algumas aves assanhadas, que não viviam soltos e não deixavam a casa.
Grigor Samsa foi resgatado após embate com o seu dono. O pobre bode era vítima de maus tratos. Tão indócil quanto a portuguesa, que tinha fama de Strega, graças a vizinha tagarela, que denunciou os dois aos órgãos responsáveis. Dois homens empalhados e uniformizados apareceram para verificar o quintal, e enquanto aventuravam-se pela selva, esqueceram o portão aberto.
Samsa escapou… mas não foi necessário procurar pelo bode na vizinhança. A vizinha chata e sua filha o trouxeram de volta. As duas apareceram em disparada pela rua, fugindo do bode que as perseguia pela rua. Faltou pouco para o bicho acertar os culi das duas, que quase pularam o portão de suas casas para escapar. Assistimos tudo da calçada, aos risos. A fúria de Grigor Samsa era tanta que ele dava violentas cabeçadas contra o portão e as duas usavam o próprio corpo e a alma para mantê-lo fechado, gritando rezas e implorando ajuda dos santos que, como nós, deveriam estar ocupados, gargalhando… tanto quanto a fofoqueira. Foi a única vez na minha infância que vi aquela mulher gargalhar de alegria. Mas, assim que reparou o meu olhar, fechou abruptamente a janela.
Era tarde demais…