Eu sempre tive paixão por bússolas! Ganhei uma quando tinha seis anos — um pouco mais ou menos. Eu sou péssima com essa coisa de idade. Sempre me perco em somas improváveis. Começo a contar e daqui a pouco, uma folha se desprende da árvore, um pássaro cruza o ar em movimentos magníficos de asas, uma farfalla se agita em movimentos incríveis — impossíveis… e pronto: lá fui eu para os ares…
Ops… enfim, eu adoro essa geringonça mágica — feito um relógio de bolso — que aponta o meu lugar favorito… para onde o meu instinto se volta, como se existisse em algum lugar do meu corpo uma espécie de agulha imantada a me orientar naturalmente assim que o crepúsculo se estabelece.
Fecho os olhos. Respiro fundo. Sinto os caminhos do ar pelo corpo… os aromas do chá futuro, na xícara. Os passos por calçadas imaginárias. Ouço aquela melodia antiga, conhecida e os dedos estalam no ar, se preparando para essa dança pelas teclas do notebook…
A bússola que me foi dada na infância… se perdeu em uma das muitas mudanças que fiz em vida. Não sei em qual década. Só dei pela perda ao ler um texto escrito por Mariana que me fez relembrar o objeto encantado… com sua agulha inquieta e seu maquinismo enlouquecido — o que me fez pensar em minha escrita e sua oscilação.
A gente estréia no mundo das letras e precisa — como em qualquer outro segmento — de exemplos. Mas, nada é pior que tentar encaixar-se nos modelos existentes. Somos figuras únicas e o que serve para o outro, dificilmente irá nos servir, mas leva tempo para entender que temos que encontrar o nosso próprio Norte.
Quando criança, a minha escrita era livre, sem compromisso, pautada pela necessidade de dizer-se ao papel — que se oferecia ao toque do grafite numa espécie de passeio… em percursos de ruas com seus paralelepípedos bem assentados.
Conforme fui crescendo… os horizontes foram se expandindo e eu fui avançando rumo a outras direções-hemisférios — para bem longe de mim. Outros livros-autores-teorias… e fui aceitando todos os conceitos impostos. Algo se perdeu… se quebrou e não dei pela metamorfose que me transformar naquele bicho asqueroso (uma barata?) de Kafka. A bússola emperrou e o tal do Norte sumiu dos meus olhos.
Quando escrevi lua de papel… estava tão preocupada-ocupada em ser escritora, que me apeguei a todas as regras-teorias — possíveis e impossíveis. Não escrevi uma única linha em paz. Um livro inteiro… orientado por leste-oeste-sul — menos o Norte.
Percebi isso ao me debruçar em vermelho por dentro… e sua escrita solta-livre — sem compromisso com o mundo dos outros. Apenas eu e a história, as personagens — a bússola imantada a apontar o Norte — que sou.
E agora, prestes a completar quatro décadas de vida… é confortável apreciar-observar todo esse conjunto de vivências, consciente de que precisei me perder de mim, para enfim me encontrar e reconhecer o meu Norte.
|* verso do poema a um poema menor da antologia de Borges |