Quase primavera,

Descobri há pouco, ao acordar, que gosto de dias de sol. Não dos quentes, em que tudo desmorona, a paisagem ferve e o corpo se desmancha em agonias… Mas das manhãs douradas, com nuvens em movimento de vento e o som dos pássaros, em bando, nas árvores — algazarra que faz sorrir até os mais distraídos… Gosto imenso de olhar para o alto e dar pelos raios solares, opacos… uma espécie de pincelada sutil que dita os tons do lugar. Um verso de Emily acena como se eu pudesse bagunçar suas folhas solhas, protegidas por linha e nó.

E tenho certa preferência pelos dias que amanhecem chuvosos, mais lentos e perfumados. As copas das árvores gotejam no quintal. As janelas são esquecidas fechadas. Na vidraça, accompanho as gotas em fugas pelo vidro.

O sol volta a brilhar pouco depois das nove-quase-dez. A paisagem ainda úmida sob o efeito da luz solar nas poças, nas folhas, nas vidraças e na fachada dos prédios… fica mais colorida. Gosto desse jogo de luz e sombra… que deita no chão pequenos espaços escuros que são como pontos que a memória une para o imaginário brincar e Emily se divertia acumulando memória para quando a noite chegasse e ao se refugir em quarto, com seu farol a iluminar a mesa, escrever suas linhas solares, sem imaginar que seria lida por uma criatura lunar numa tórrida segunda-feira que nada mais sabe do inverno…

Os condenados miram a aurora
Com diferenciado prazer —
Pois, quando ao longe tornar a luzir,
Duvidam que possam vê-la.

O homem, que há de morrer amanhã,
Ao rouxinol do prado faz-se atento,
Pois seu trinar comove o machado
Sequioso por uma cabeça.

Feliz daquele, que a enamorada
Aurora precede — o dia!
Para quem o rouxinol canta,

Sem negar elegias.

Emily Dickison