Há pessoas com quem me encontro na realidade das coisas e causas, que me fazem cair tão dentro de mim, que emergir dessa porção mais funda, leva tempo. Recorro aos passos e dou aos pés o traçado irregulares das calçadas… me desoriento, me perco dos mapas conhecidos e vou desbravando essa ilha de ninguém, enquanto percorro o caminho de volta.
Na noite de ontem… orientada pela Lua Cheia amarelada-imensa, dobrei esquinas, avancei avenidas e tropecei no velho Centro Cultural São Paulo… e sua geografia única-mutante-mutável. Foi como voltar no tempo… regressar aos meus primeiros dias em Sampa.
O Centro Cultural foi um dos primeiros cenários que descobri na Paulicéia. Me senti a casa… em meio aos meios. Nunca me esqueci do cartão de visitas que recebi ao atravessar seus espaços… um signore, om sua voz rouca-cansada-gasta lia Fernando Pessoa. Soube depois se tratar de um morador de rua, que ganhava trocados recitando para os que por ali passava.

Fazia tanto tempo que não pisava seu chão que me senti estrangeira no meio de artistas-arteiros-humanos.
Ali se pode ser tudo e nada. A turbamulta se ocupa de si e seus movimentos urbanos-contemporâneos-de-vanguarda. Uns dançam. Outros cantam. Há quem encene a própria peça. Quem dirija seu próprio monólogo ou afine seu instrumentos. De um lado são eruditos. Do outros malditos-circenses-mambembes. Artistas e Público se misturam e se confundem numa fusão de matéria que em qualquer outro lugar seria impossível.
Desde que o conhecei… o apelidei de ‘berlim paulistana’… um elegante espaço sem portas, apenas entradas que exibem tudo e nada e conectam as calçadas com seus caminhos internos. Um jardim em suspenso para as noites de lua, salas projetadas para exposições, bibliotecas, anfiteatros e os vãos, onde se pode sentar e ser ninguém. Meditar. Exorcizar. Morrer e viver.
Inaugurado em 1982 com uma Proposta de liberdade… os arquitetos responsáveis pelo projeto, visavam repetir e fazer jus a fama da cidade Paulista: mutante-mutável-instável-antiga-e-moderna… insana. Nunca pronta. Eternamente inacabada. Sempre disposta a novos moldes.

Erguido num terreno situado entre a Rua Vergueiro e a Vinte e Três de maio. A região antes de ser permeada por grandes vias de asfalto e construções de concretos… e o próprio centro cultural, inaugurado em plena Ditadura Militar brasileira — era margem da nascente do Rio Itororó, berço de vales, palco de casinhas de taipas e um possível caminho para Santos.
Quando a pedra da ideia do Centro Cultural foi lançada, a região já estava bastante alterada, principalmente graças a construção das estações do metrô que desapropriou o que encontrou pela frente. Era preciso preservar o pouco de verde que havia sobrado na região, para ser um ponto destonante no meio de tanto cinza claustrofóbico.

O Centro Cultural São Paulo — ou Vergueiro como ficou conhecido, graças a estação do metrô que fica ali, bem em sua esquina — segue mutante. Na noite de ontem…um show de Rock começava a ensaiar seus pesados metais. Um grupo de street repetia exaustivamente seus passos não tão sincronizados. No piso superior uma exposição de fotografias te convidava a olhar para si. Turistas se acotovelavam para espiar espantados a realidade múltipla-única, enquanto aguardavam — como eu — o retorno para suas realidades.
