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6 on 6 | Caixa de fotos

No mês passado, trabalhei em um projeto artesanal intitulado “álbum de fotografias”… Ali, as fotografias são os poemas. E, ao ler cada poema, me fez pensar no hábito de C que guardava as fotografias reveladas em caixas. Às vezes, dentro de uma manhã de sábado, ela espalhava tudo por cima da mesa, escolhendo o que interessava para colar nas páginas do velho álbum, folheados por nós, na companhia de um bolo de laranja e uma xícara de chá.

Eu não tenho álbum… o meu instagram meio que ocupou esse lugar por algum tempo. Eu continuo fotografando lugares, espaços, flores e folhas — vai tudo para a nuvem ou para as pastas quando descarrego as imagens. A maioria são excluídas sem cuidado ou verificação.

Mas é maravilhoso ver fotografias antigas, esquecidas em caixas. Faz bem ver o que era, quem era e as pessoas que visitaram-me. Aproveitando o tema do 6 on 6 de maio… resolvi abrir uma caixa-pasta para ver o que saírá de lá.

01 — não é a foto mais antiga com o meu amigo canino Patrick — mas é uma das minhas favoritas. A foto revelada se perdeu numa das mudanças, restou apenas a imagem digitalizada, escondinda numa pasta.

2 — Primeiro evento feito por mim e por Marco na Galeria Olido… ao cair da tarde de sábado, com leituras de poesias, música instrumental. O registro foi feito por um fotógrafo-amigo e a foto digitalizada acabou na nuvem… esquecida nos arquivos do google-fotos…

3 — Tinha por hábito sair para caminhar e levar a leika comigo para fazer pequenos registros — nunca revelados. Cansado de ver tantos rolinhos de filmes acumulados, Marco levou tudo para revelar.

4 — Um registro recente, feito com o celular… algo desprentensioso que nunca conheceu papel. Embora goste tanto da fotografia que seria bom vê-la em um porta-retrato. Penso nisso há tempos, mas ela segue nas nuvens e me encontra ao sabor do ento…

5 — Gosto imenso de fotografar ingredientes e alimentos. É uma brincadeira antiga. Uma maneira de provocar o outro. As fotografias acabam esquecidas nas nuvens e, em algum momento as excluo. Essa escapou porque foi a última que enviei para o meu primo. Fiz os pães — favoritos dele — e enviei a foto, com uma notinha: estarão quentes quando você chegar…

6 — Uma foto guardada porque foi a primeira. Ela ainda estava se acostumando a nós… Não sabia ainda do que gostava. Quando retirei o bolo de fubá do forno, começou a saltitar pela cozinha e quando nos sentamos para comer, ela reclamou sua cadeira… ganhou pedaços de bolo e uma cadeira com almofada vermelha.

Claudia Leonardi Mariana Gouveia
Obdulio Nuñes OrtegaSilvana Lopes

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6 on 6  | The Colors of the Rain

Uma das coisas com as quais eu demorei a me acostumar em São Paulo foram as tonalidades. Uma cidade cinza ou quase incolor. Todas as formas parecem cobertas por uma espécie de neblina que deixa tudo esbranquiçado ou coberto com uma fina camada de poeira, como se a realidade usasse um daqueles filtros do instagram, deixando tudo meio escuro, sem efeito… É o efeito da poluição urbana.

Quando chove, no entanto, tudo muda… as cores ficam mais nítidas. É como se a paisagem urbana com seus prédios enfadonhos, casas antigas, ruas e calçadas esburacadas, até as pessoas e seus bichinhos de estimação fossem lavadas ou apenas ganhassem uma nova camada de tinta. A cidade ganha cor…

1 – Antes da chuva vem as nuvens densas-escuras, os trovões e os clarões dos relâmpagos que cruzam os céus, iluminando a escuridão que faz a manhã se encolher, a tarde cair… é um bélissimo espetáculo de ausência de luz e pesadas sombras que algumas pessoas consideram tristes. Quantas vezes eu já ouvi alguém dizer: que dia mais feio… ao se referir a um instante nublado…

2 – Gosto imenso de caminhar depois da chuva. Ir as ruas para observar a cidade por outro ângulo. Deixo a varanda e dou aos meus pés, o sabor dos passos. As folhas caídas parecem ainda vivas e suas cores se destacam no piso molhado…

3 – Outra coisa maravilhosa são as poças que encontro pelo caminho… são espelhos d´água e dentro delas outra cidade… com formas disformes.

4 – E as flores depois da chuva… guardam para si algumas gotas em suas pétalas. Quando menina, tinha por hábito fazer a colheita da chuva e provar da mistura. Acreditava que a flor emprestava o seu aroma a chuva…

5 – Ao sair para as ruas depois da chuva, lembro-me de certas criaturas humanas e registro o momento de passagem, apenas para dizer: encontrei você pelo caminho. A flor do ipê amarelo me leva para um quintal (segundo soube) inventado, para uso próprio. Ainda bem que sou convidada ali… porque o quintal de Mariana são as minhas calçadas daqui… onde visito jardins alheios!

6 – Faltou escrever a respeito do meu momento favorito durante as tempestades… o instante em que antecede a chuva, ocorre um clarão. E tudo muda de cor. Aquela luz branca vai prateando a paisagem, expulsando o cinza e começa a subir no ar, como se a terra se preparasse para as primeiras gostas, um cheiro gostoso-antigo — um atiçador de memórias deliciosas — que alguém (sabe-se lá porque) nomeio. E cai a chuva, em poucos segundos são milhares de gotas e o som é maravilhoso. O ar fica leve, úmido. As horas mais lentas e preguiçosas. E as cores…?

Claudia Leonardi – Mariana Gouveia 
Obdulio Nuñes Ortega – Silvana Lopes

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6 on 6  | escrito por uma dama

Março é o mês da mulher porque ainda precisamos de uma data no calendário que nos lembre a todo o momento das alegrias e tristezas de ser Mulher. Não sei se um dia será diferente. E não penso a respeito. Apenas faço a minha parte e levo comigo as muitas figuras que vieram antes de mim e, as que caminham comigo nesse contemporâneo existir.

E por ser março, o projeto fotografio que me instiga todo mês a encontrar um tema para fotografar… vamos de literatura feminina.

1 – Leio desde a infância e a leitura-primeira, como tantas vezes contei aqui e, em tantos outros cenários-lugares, foi Emily Dickinson, com quem aprendi a ler-me… Há poemas dela que são tatuagens na minha pele, por dentro e por fora. E através dela fui navegando por águas mansas-turvas-agitadas.

2 – Eu sou uma leitora… de Mulheres, principalmente! Tenho os meus homens-escritores-favoritos, mas são poucos diante da legião de autoras que atravessam o meu caminho. Lembro-me que, na lista dos livros na época do colégio, a maioria, era de homens e eu ralhava com a professora. Considerava inaceitável uma mulher-professora de literatura apresentar uma lista com 10 nomes, sendo apenas um escrito por uma mulher: Sylvia Plath…

3 – Na Bilbioteca, havia milhares de autores… alguns ilustres desconhecidos e uma ou outra autora apenas. Não havia um único livro de Jane Austen, Amélia Rosseli… Para piorar, descobri que havia figuras proibidas para nós, meninas. Judite Butler, Simone du Beauvoir, Susan Sontag... entre outras-tantas com as quais simpatizei, por serem elementos transgressores, incompátiveis com o tempo-espaço-idéias-prontas.

4 – Eu tenho certeza de que não seria a escritora que-sou, não fosse por Jane Austen e suas histórias de mulheres fortes, personagens únicos por quem torcia ao virar das páginas. Reclamei tantas vezes da jovem e imatura Mariane e da insistência da mãe de Elizabeth em casar as filhas.

5 – Pensar nas mulheres que leio, me faz olhar para o azul-céu e seus desenhos de nuvens. São tantas. Não tenho preferência por esta ou aquela. Se tiver que citar uma, será a pior das tarefas porque ser mulher compreender ser duas-três-cinco. Ser tantas-todas… ou nenhuma. E na prosa de Elizabeth Bishop, sou a personagem que recolhe os papéis na praia. Vou guardando tudo até o espaço-corpo ficar cheio e transbordar…

6 – O bom de planejar livros artesanais é que posso abrir espaço para mulheres que escrevem nesse contemporâneo existir… para um caminhar-junto. E reverenciar cada uma das damas que escreveu no passado e asfaltou a estrada… rumo ao presente de tantas.

Claudia Leonardi – Mariana Gouveia 
Obdulio Nuñes Ortega  Silvana Lopes

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6 on 6 | me and you

Eu sou uma figura solitária, que gosta de andar ruas depois da chuva, espiando os estragos das enxurradas, quedas de galhos, as ruas e calçadas úmidas e a quietude das esquinas. Não imaginei que em algum momento, iria conjugar a minha existência com outra pessoa. Dividir momentos. Sou arredia e egoísta com os meus espaços e a forma de organizá-los. Pouco ou nada habilidosa na arte de conviver com pessoas. Canso-me com facilidade e aborrece-me cobranças ou exigências. Não sei me adaptar e tampouco consigo me render ao que o outro enxerga em mim. Deixo bem claro que não sou responsável pelo que o outro vê em mim e não me esforço para me encaixar em moldes…

1 – Um dia frio é sempre mais aconchegante para a criatura que sou. Gosto de calçar meias, vestir o meu pijama, escolher o livro e ler em voz alta. Minhas leituras são interrompidas com as emoções que certas narrativas provocam. Existem pausas para buscar por um pouco mais de ar ou apenas para refletir…

2 – Gosto imenso de preparar um cappuccino… vem aquela vontade-necessidade e pronto. Às vezes, saímos os dois para uma caminhada e paramos numa padaria-café. Eu sou mais exigente que ele, quando se trata de café. Faz algum tempo que reparei, para a minha surpresa, que a companhia dele aguçou o meu paladar… certos aromas não são mais os mesmos…

3 – Eu gosto de ir as ruas para caminhadas insólitas, sem mapas. Apenas ir… apreciando o que encontro pelo caminho e sempre há muito para ver-sentir-experimentar. Gosto de encaixar o meu passo ao dele. De brincar de saltar obstáculos. Eu interrompo o passo a qualquer momento, para observar fachadas de casas e prédios. Uma árvore ou um pequeno jardim…

4 – Gosto de me sentar a varanda, depois de um dia de trabalho e pensar receitas de pão ou bolo. O pensamento acaba interrompido pelo tirintintar dos copinhos de metal, seguido pelo som rouco da cafeteira. Sentamos os dois para um pequeno diálogo e não é incomum nos esquecermos das horas, do dia, em mio as risadas que são lembranças, notícias do mundo, projetos para ontem, quiçá amanhã…

5 – Marco não é fã de caminhadas, mas não recusa caminhos quando eu proponho. Ele vai mais devagar. Ele nasceu em São Paulo e viu o lugar se transformar aos seus olhos. Às vezes, se esquece das mudanças e conta como eram certas ruas-lugares e tenho a sensação que tudo se rende a sua fala.

6 – Somos dois, somos muitos… e não sei dizer o quanto mudamos em todos esses anos. O que me agrada é que não mudamos pelo outro. Marco é mais sociável e gosta de multidões. Eu prefiro cantos, lugares vazios. Nós dois temos momentos de solidão e de ausência. De sair sem o outro… e de voltar a procura de abraço-casa-cômodo…

Claudia LeonardiMariana Gouveia Obdulio Nuñes Ortega
Roseli Pedroso – Silvana Lopes

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6 on 6 | momento polaroid

E cá estamos em dezembro! Passou rápido por aqui… e vamos ao último 6 on 6 de 2023. Confesso que dei uma espiada nos outros posts do projeto fotográfico e admito que tenho os meus preferidos… E gostei imenso de fechar o ano com momento polaroid porque me fez voltar no tempo e relembrar o dia em que mio babo voltou de uma de suas viagens com um presente na mala: uma câmera polaroid que despensava todo o processo de idas-vindas-e-esperas que os rolos de filmes exigiam. E lá fomos nós para o quintal de frutas fazer o primeiro registro: uma foto em família instântanea.

1 – Primeiro encontro da Scenarium que completou dez anos em meio a todo o caos da realidade. É maravilhoso pensar os primeiros projetos, as primeiras pessoas, os primeiros cadernos, os primeiros dez livros costurados e ir avançando aos poucos. Essa foto tem um pouco de tudo isso…

2 – Dois geminianos e uma sagitariana… o mundo não está preparado para isso. Mas o Universo quis assim… então, o mundo que lute!

3 – Eu estava com os livros da Scenarium 8 em mãos… uma bela coleção e os agarrei com tudo de mim. É um dos meus melhores momentos no ano. Sensação de ter dado o meu melhor e exigido o melhor de todos que participaram de cada Coletivo. Ano que vem tem mais…

4 – Tem fotografias que se revelam — ainda que processo digital seja rápido — depois, quando você tem tempo para observar tudo que há por trás dela. Um dia de sábado. Tanta coisa acontecendo no mundo. Era para ficar para depois. Teimosas que somos, mantivemos a data, o encontro e foi muito agradável. Um momento para recordar…

5 — Foi o primeiro evento coletivo de que participei em anos — após o longo hiato pandêmico — e foi agradável voltar a encontrar leitores, escritores e artistas do mundo punk-rock.

6 – Essa foi uma das primeiras fotos que fiz no ano que era novo e cheio de dias-semanas-e-meses… Estava na varanda a tramar “insanidades” e o gostoso de observar essa fotografia é que muito do que planejei deu certo e algumas coisas falharam… afinal, a realidade precisa de equilibrio para fazer sentido.


Claudia LeonardiMariana GouveiaObdulio Nuñes Ortega
SilvanaRoseli Pedroso

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6 on 6 | anatomia dos passos

Eu sou o tipo de pessoa que precisa das calçadas para andar, esquinas para mudar direções e ruas para atravessar. Gosto imenso do movimento dos pés que avançam na mesma direção do grafite — às vezes, calmos e tranquilos… agitados e inquietos… sonoros ou silenciosos. Divago, repasso frases-paragragos e observo tudo que cresce para cima da minha anatomia. Gosto de sair para andar… sem compromisso, com as mãos escondidas nos bolsos da calça. Não é nada calculado-planejado. É um ir sem mapas… ao sabor do vento… perdendo-me do lugar e, às vezes, do próprio passo… para me encontrar ou não!

1 – Eu não gosto de andar descalça. Meus pés vivem enfiados em meias-brancas, que perdem a cor com facilidade. Pela manhã, ao levantar, os pés nus, vão para cima do tapete e eu gosto de espiar a anatomia dos meus passos…

2 – A menina-mineira veio passear na Paulicéia desvairada e depois de um Café na Livraria Martins Fontes, quis conhecer a Casa das Rosas… e lá fomos nós pisar os ladrilhos portugueses do lugar…

3 – Não sei nada de horários, mas eu gosto imenso de sair para caminhar após as chuvas… Não importa a estação. Parou a chuva… vou lá para fora, espiar o lugar, encontrar poças e ver o que elas refletem…

4 – Vez ou outra, um passo se une a outro e mais outro… e vão todos na mesma direção: um café entre esquinas... uma pausa na realidade das coisas e suas inesperadas anatomias.

5 – E se é para caminhar junto, o mio amore é a melhor das companhias… Vamos por aí, de mãos dadas, inventando mapas para os nossos passos, sem nos ater ao que é rastro-resto-rua… Nesse dia aí, fomos ao Masp e depois ao Parque Trianon.

6 – Mas admito que tenho preferência pelo passo solitário… que não tem pressa e se demora mais em um lugar que em outro, encontra pouso aqui e ali.


Claudia Leonardi Mariana GouveiaObdulio Nuñes OrtegaSilvana

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6 on 6 | Paleta urbana

Eu gosto de andar a cidade, percorrer alamedas com o olhar atento e nessa época do ano é comum o precipitar de novos tons. Não me lembro de ver São Paulo tão colorida, tão cheia de sol… Os ipês floresceram, as azaléias e as primaveras — fora época. Colorem as árvores e o chão… Há diferentes espécie de flores por todos os lados e algumas, com a passagem dos ventos — cada vez mais fortes e frequentes — convertem as calçadas em manto de pétalas… um pequeno espetáculo para os olhos…

1 – Sai para andar a tarde e ao levantar dos olhos, fui atraídas pelos garranchos no muro e pouco depois, lá no fundo, entre prédios, o ipê amarelo impondo sua cor d´ouro ao cinza… Lembrou-me da infância em que ao viajar de trem, via pequenos pontos coloridos em meio ao verde das copas das árvores entre-cidades…

2 – Ao caminhar, descubro novos pontos e trato de uní-los, criando possibilidades em meio a confusa geometria urbana…

3 – Acho interesante quando os jardins alheios acenam com suas cores… o vermelho sempre me atrai, por ser a minha cor favorita, comum aos semáforos que ditam os ritmos alucinados do caos urbano. Mas quando é uma promessa de flor em meio a rigidez dos prédios que crescem de maneira desenfreada por toda a parte, me faz cantarolar Caetano… e foste um dificil começo… afasto o que não conheço

4 – As vezes os tons de suas torres me lembra Cecília e sua crônica bombas com e sem endereço e saio gargando depois do clique, pensando nos gregos e troianos, e no que seria de nós se uma bomba desavisada atingisse a Paulicéia de seu Mário… (de novo)

5 – Uma das coisas que me encanta é a rigidez do concreto e a tentativa da natureza de vencer a brutalidade humana. Nada mais belo que uma flor que brota dos vãos. A vida procurando um meio. E quando uma folha pousa caprichosamente no lugar do meu passo, eu paro e respiro… fecho os olhos e faço uma prece, nessa manhã de primavera, repliquei os versos sagrados de Mário, louvação matinal.

6 – E ao voltar para casa, a vida responde a pergunta feita por um transeunte que insiste em fim de mundo, últimos dias com suas sementes…


Claudia LeonardiMariana GouveiaObdulio Nuñes Ortega
Roseli PedrosoSilvana

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6 on 6 | Rotina

Eu li em algum lugar e guardei para uso-futuro: rotina é uma palavra dita sem pensar. Existem muitas palavras usadas dessa maneira, sem o devido cuidado. Se fizer uma checagem rápida, terá uma lista num estalar de dedos. Nem mesmo se respira antes de pronunciá-la. Curioso que a reação a palavra é imediata e vai na mesma medida… num sem-fôlego: eu não gosto de rotina.
Eu costumava dizer isso, principalmente quando mais nova, antes dos vinte. Tinha pressa e queria fazer coisas diferentes todos os dias, mas era obrigada a seguir certos itinerários. Mas a rotina é tão nós-eu. E acaba por ser uma coisa bonita e saudável. Acordar pela manhã e lavar o rosto com água fria, encarar o espelho. Apertar o botão da máquina. Recolher os livros espalhados pela casa. Sair com o cão para o passeio de calçadas-esquinas. Acenar para o mesmo senhor que passeia com seu amigo de quatro patas no mesmo horário. Ocupar a mesa do café entre esquinas e se estiver ocupada, aguardar vagar o espaço que é-meu…
A Rotina tem algo de extraordinário e começa na primeira hora quando se quer ficar um bocadito mais na cama, mas as cores do dia chamam e você atende, como se fosse um telefone ou uma campainha.
E discordo de quem diz que Rotina é coisa previsível. Passando a limpo os muitos momentos da minha vida… percebo que certas coisas estão lá no mesmo lugar e gosto do conforto que isso me dá. Outras, estão soltas, perdidas na imensidão do ar e é muito difícil de me aproximar. A Rotina facilita compreender que eu fui triste num dia e feliz no outro, displicente num instante e atenta no outro. 

1 – A minha rotina é feita de pequenas pausas — respiros que o meu corpo e minha mente pedem. Olhar para o céu e repetir os hábitos de menina é uma necessidade. Procurar por desenhos nas nuvens ou apenas se surpreendem com os retalhos feitos pelo vento…

2 – Sair para caminhar — com ou sem destino. Andar calçadas. Dobras esquinas. Atravessar ruas. Observar as ranhuras no chão e ponderar a respeito de quantos passos eu sou feita…

3 – Fugir do chão faz parte da minha rotina. Durante a caminhada, observo os galhos das árvores… secos-cheios-quebradiços-floridos — a depender da estação do ano. Em paralelo a isso: o emaranhado de fios. Gosto imenso de reparar a insólita mistura. São outros tipos de mapas que o meu olhar alcança e guarda para momentos-futuros.

4 – Minha rotina exige muito do meu corpo e da minha mente. Ler originais que chegam, preparar textos, inventar projetos artesanais e conversar com os autores. Uma lista de atividades diárias que nem sempre resulta em satisfação. Mas, são poucos os momentos de desassosego. Na maior parte do tempo, é gratificante chegar ao final do dia com a sensação de ter a minha parte.

5 – Duas vezes por semana eu vou a feira… percorro as barracas, ouço a voz dos feirantes a oferecer frutas, legumes e hortaliças frescas. Tenho as minhas bancas favoritas, onde compro os meus ingredientes. Sou exigente com o que levo para casa…

6 – Preparar reifeções, escrever histórias e inventar um projeteo artesanal têm a mesma energia. Preciso ter os melhores ingredientes à disposição e de tranquilidade-calma-e-cuidado. Ao me sentar para degustar um livro ou um prato, quero a satisfação de saber do que é feito um momento.

Claudia LeonardiMariana Gouveia
Obdulio Nuñes OrtegaRoseli PedrosoSilvana

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6 on 6 | um verso como Norte

Ao ser apresentada ao projeto fotográfico 6 on 6 em 2017… me encantei pela proposta-possibilidade. Seis fotografias a partir de um tema. O primeiro era livre e foi difícil… Eu me senti amarrada pelos pés e mãos. Foi uma participação rude… porque a liberdade tem dessas coisas.

Após outras publicações nos meses seguintes… veio o tema-favorito: janelas. Abri um enorme sorriso, peguei minha câmera sony e saí pelas ruas da cidade. Em duas horas, tinha percorrido várias ruas do centro paulistano e tinha mais fotografias do que eu precisava e não foi nada fácil selecioná-las…

Gosto imenso de observar as janelas abertas-fechadas… o lugar que ocupam nas paredes, suas formas. As mais antigas me fascinam. As modernosas são qualquer coisa aborrecida — vez ou outra, acabo fisgada por contornos futuristas.

Para esse julho… tinha decidido deixar o olhar encontrar pouso, sem ir às ruas com esse objetivo. Uma foto numa manhã de domingo, outra ao cair da tarde, durante uma ida a padaria. Outra, ao sair para caminhar sem destino, apenas para deixar a mente-respirar após horas diante de um texto-confuso. Como abrir um livro de poesias e deixar as páginas guiarem o meu olhar… Gostei tanto da premissa, que resolvi deixar os versos guiarem o meu olhar…

1 – Manhã de segunda-feira, dia de sol. Peguei o livro de poesias na prateleira e ao folhear, tropeço no verso da poeta polônesa Wislawa: Quando pronuncio a palavra Nada, crio algo que não cabe em nenhum não ser.

2 – Manhã de domingo, dia de feira, de comprar ovos, couve, alho poró… puxo o livro de Ana C da prataleira e abro: preciso voltar e olhar de novo aqueles dois quartos vazios

3 – A caminho da estação do metrô, com o passo largo-apressado. Tinha hora marcada em algum lugar. Na mente Paul Auster e seus versos: frutos de prece — no espaço escrito por outro de teu seja-onde-for, na paisagem em que não ficarás — cacos-vórtices de amonoides te recriam…

4 – Tropeçei nos passos e virei na rua errada… o percurso ficou mais longo. Cheguei e havia fila. Do lado de fora, atrás de meia dúzia de pessoas, abri Ariel e do outro lado da rua, o reflexo: goles de sangue negro e doce, sombras. Algo mais. Me arrasta pelos ares — Coxas, pêlos; Escamas de meus calcanhares…

5 – Sábado pela manhã e um encontro remarcado incontáveis vezes. Antecipo diálogos, emoçoes e nas mãos um livro de presente de uma das pessoas de Pessoa: Álvaro de Campos. Abro e leio enquanto os passos marcam o caminho: seja eu o calor das coisas vivas, a febre. Das seivas, o ritmo das ondas. Um intervalo em ser para deixar de Ser…!

6 – Final de tarde… o inverno abraçou a paisagem. A rua esta vazia. Recorro mais uma vez a Wislawa. Outro livro-verso, enfio a mãos nos bolsos da calça e saio para as ruas… aconteceu de eu estar sentada sob uma árvore na beiro do rio, numa manhã ensolarada. É um acontecimento insignificante e não entrará para a história. Não é caso de batalhas e pactos, sujas causas se pesquisam, nem de tiranicídios dignos de memória.

Mariana GouveiaObdulio Nuñes Ortega

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6 on 6 | About

Passei os últimos dias pensando nessa postagem e não consegui elaborar mentalmente uma proposta que resultassem em seis fotografias. Pela manhã… rememorei o tempo dos álbuns e dos dias em que eram retirados das gavetas-caixas-baús, onde passavam boa parte dos dias. Era engraçado revisitas dias-semanas-meses convertidos em uma única fotografia.

É por isso que gosto tanto desse projeto fotográfico… Mas dessa vez foi difícil. About… vem do inglês e quer dizer “sobre você”. Eu usou uma pessoa simples, que gosta da gola da camiseta levantada e de almofadas no chão. De livros de poesias e a mesa do canto. De caminhadas pelo bairro, com as mãos enfiadas dentro do bolso da calça e os fones nos ouvidos. De caderno novo, lapiseria e de amassar folhas de papel onde o rascunho se orienta…

Pensnado tudo isso, resolvi vasculhar meus arquivos de fotos e escolhi seis… que dizem-me e talvez sirvam para esse álbum junino.

1 – …mulher. colecionadora de silêncios. artesã. degustadora de cafés, de realidades e de livros. nasci em Gênova — em 1981 — sob a regência de sagitário. me mudei para São Paulo duas décadas depois de meu nascimento. renasci por aqui, ao percorrer essas ruas labirínticas, onde encontro personagens e os enredos para as minhas narrativas.

2 – …adestradora de pretéritos e desafiadora de futuros: a direção na qual a ponta do grafite avança. Sei que os meus escritos são obras inacabadas e talvez nunca abandonem essa condição… Não gosto de ponto final e de vírgulas, tenho preferência por exclamações e reticências.

3 – Prefiro a noite, mas aprendi a amanhecer durante os últimos anos. Gosto imenso de dias de chuva, mas aprecio o dourado do sol nas faces dos prédios que se equilibram pela Alameda. Sou figura urbana, contraditória, que compartilha da loucura de Dionísio a quem reverencia em cada gole de nada.

4 – …escrevo-amasso-rabisco-reescrevo-rabisco-amasso-queimo-resmungo. Leio incontáveis vezes os mesmos trechos-páginas-bilhetes meus-alheios. Meu único compromisso é com os meus abismos… Vivo em constante queda… sem pouso. Sou inquieta e quieta. Sou avesso-verso, frase refeita incontáveis vezes.

5 – Eu estou sempre indo – sem bússolas ou mapas, porque eu gosto de sentir os caminhos. Perceber os atalhos – medir as distancias e traçar minha proposta de lugar-cidade… lugar nenhum.

6 – Eu sou essa pessoa antiga que sabe muito bem o que me move, mas nem por isso estou livre do susto, do espanto… Vivo indiganada com as coisas da realidade e sem me calo é para não ter que ralhar com figuras pantomimas que não pelos fios responsáveis por seus movimentos ventríloquoss.

Mariana GouveiaObdulio Nuñes OrtegaRoseli Pedroso