03 | Coração transplantado procurando resquícios do que já foi humano

* verso extraído do livro Estratosférica de Lua Souza
PARA LER AO SOM DE SAMPA

Retornei à Avenida Paulista… após uma pequena eternidade sem pisar no principal cartão postal da maior cidade do país. Acredite — parece impossível —, mas não havia motivo-razão para eu ir até lá — cenário quase que diário antes de o mundo que eu conhecia, se acabar.

Depois da pandemia… passei a sair de casa, com um mapa em mãos apontando direções onde chegar com hora marcada, cumprir os compromissos e sair apressada, voltando para casa — sem zanzar por aí, como antes. Nada de passagens por novas livrarias, novos cafés ou novos pontos culturais… Tenho para mim que passei a ter certa ojeriza pelo novo.

Pelo menos eu não me senti estrangeira ali. Apenas alguém que retorna de uma longa viagem e precisa de tempo para se acostumar (de novo) ao lugar — que é o mesmo e é outro — e as pessoas…

O que serviu para eu perceber que voltei a ter dificuldades com multidões. Quase percorri o caminho de volta ao me deparar com o enxame de gente. A via estava fechada para carros e aberta para pedestres.

Respirei fundo e pedi um pouco de calma ao mio cuore que acelerou forte. Não foi nada fácil. Constatei que para algumas pessoas: nada mudou… O tal do “novo normal” — tão aclamado durante o fim-do-mundo… foi apenas mais uma frase sem-efeito, dita de boca em boca, sem consciência alguma do seu significado. Não há nada de novo. Mas tudo parece normal — para os outros.

Ao me localizar, sai na porta da Livraria Martins Fontes — número 300 da Avenida — ouvi alguém questionar: mas isso foi antes ou depois da pandemia? — eu era o alvo daquela pergunta e precisava da resposta. Quase uni meus passos aos das duas estranhas, com seus cabelos coloridos, que foram na direção contrária do meu destino… avançando tranquilas, com as mãos resguardadas nos bolsos da calça larga.

Eu tinha horário marcado e olhei para o pulso como se ali houvesse um relógio… sincronizando o passo com os batimentos cardíacos. Lamentei estar atrasada. Gosto imenso de chegar antes. Preciso do instante que antecede as tempestades — digo, os encontros… Para sentir o lugar. Escolher a mesa do canto, de onde se pode observar tudo e nada. Ter um pequeno instante de silêncio e quietude para me preparar para a colisão.

Não importa se o encontro-marcado é com alguém com quem simpatizo ou não. Os sintomas na pele-corpo-cuore… são os mesmos. Preciso de alguns-poucos minutos na minha companhia — antes de aceitar a presença do outro.

Nesse novembro [entre outras coisas] vamos de #blogvember…
Aventuram-se em linhas diárias: Mariana Gouveia,
Obdulio Nuñes Ortega, Suzana Martins

10 respostas para ‘03 | Coração transplantado procurando resquícios do que já foi humano

  1. Eliana de Faro Valença

    ai ai ai…a Francys escolheu o que eu queria rsrsrs ( a garota das laranjas)
    queria também um que a Sandra escolheu rsrsrs ( Coração de tintas)
    então como eu adoro biografias…

    escolho – Van Gogh – Biografia

    beijinhos mais carinho
    da Eliana

  2. Sandra

    Imaginando você saindo do metrô e levando um susto ao se deparar com a Avenida cheia. Sua narrativa é tão gostosa que nos pega pela mão e nos leva pelos seus caminhos. Adorável como sempre Lu.

    Beijos

  3. Cah

    Que delícia de crônica, Lunna.
    Me fez pensar nesses anos pós pandemia. Deixei de fazer tantas coisas e nem pensar em voltar ao trabalho no escritório. Adotei o home office e não largo mais. A única coisa boa da pandemia. bj

  4. manuela

    Aqui é quase outono, mas as buganvílias do jardim estão todas floridas ainda e creio que irão se demorar a cair todas as flores.

    Lu, gostei imenso, como gostas de dizer, de caminhar na tua companhia, na próxima vez não se atrase. viu?

    🙂

    um beijo

  5. Flávia Côrtes

    Então vá de preparando desde já. Rs… Mas OK, prometo (ainda que seja imensa a vontade de encontrar você e meus coleguinhas de turma) não criar expectativas mil. Se você quiser, eu posso chegar atrasada pra lhe dar mais tempo, cara mia! Kkkk. Chego dentro de 19 dias, com fé em Deus!

Pronto para o diálogo? Eu estou (sempre)