últimas coisas sem porquê, nem quando…

Cheguei a conclusão, após análise feita entre demorados goles de latte, que a minha memória é a grande vilã da minha realidade. E ri — como de costume — ao perceber a ironia… porque desde a infância que tenho preferência por vilãs de filmes e livros. Torço por personagens erráticos e estranhos, que escapam dos conceitos de certo e errado, impostos por uma sociedade hipócrita que mede tudo e todos por uma régua equivocada…

Voltando a minha memória… percebi que lembrar independe mim e admito que isso me aborreceu um bocadito. Não acontece quando eu quero ou preciso. Pior, não faço idéia dos elementos de acionamentos do que acumulo dentro. Ou seja, a minha memória tem vida própria e age a minha revelia. Um absurdo!

Deixei a xícara na pia e fui andar cômodos. Acabei aqui, na varanda, like always — espiando a paisagem de prédios do bairro, o que me obrigou a perceber que a cada dia temos menos uma árvore e um edifício a mais. Respirei fundo e me diverti com a algazarra das maritacas nas duas árvores da rua.

E o que fez a minha memória? Escolheu um dia de aula qualquer, despejando-o em cima de mim… sem a menor cerimônia. E lá fui eu espiar o voo das gaivotas por cima do mar. Senti o ar frio e salgado da noite em minha pele e experimentei o minha boa e velha manta, feita de fios escuros — parceira de quase todas as minhas aventuras até se perder numa das muitas mudanças que fiz daqui para lá e de lá para cá…

E sabe o que eu descobri? Que eu gosto imenso desse jogo de não-saber. Talvez por perceber que existe uma espécie de seleção natural das coisas. Muito por não lembrar e esquecer. Apenas o que realmente importa, permanece e volta em momentos chaves.

Eu não sei o que eu escolheria lembrar ou não lembrar. Seria complicada essa autonomia. Pior, em que momento eu faria tal escolha? Ao me sentar aqui para escrever, respiro fundo, bebo um poderoso gole de latte e deixo vir todas as coisas das quais sou feita.

Pensar na memória como vilã foi sem dúvida, interessante por ser uma espécie de símbolo para a pessoa que sou. Mas não estou certa de que esse seria o posto a ser ocupado. Acho melhor preparar outro latte… esse, com certeza é um vilão? Será?



2 respostas para ‘últimas coisas sem porquê, nem quando…

  1. Frasco de Memórias

    Que post tão perfumado! Também viajei, com as suas palavras, ao quintal da minha Avó, que também fazia chá de flor de laranjeira! Como um aroma nos permite viajar para terras tão quentes e distantes! Bacio!

  2. MarliNano Nano

    Eu aqui. viajando em seu mundo descrito com tanta riqueza ,sentido os sabores e cheiros como se fosse um personagem do belissimo cenário ….

    Voltando a realidade questiono: -como há seres privilegiados que discertam histórias e lembranças COM TANTA DOÇURA E DELICADEZA DE DETALHES?

    SÃO SERES ÚNICOS…ILUMINADOS… ANJOS ENVIADOS ….PARA QUE POSSAMOS LEVITAR À ALTURAS INIMAGINÁVEIS……

    Obrigada por ter me levado nos seus sonhos…

Se tem algo a dizer, fale agora... hahahahaha