Sobre a minha escrita

Final de tarde por aqui e um monte de notas esparramadas em cima da mesa — material para ser usado amanhã, numa oficina literária na Biblioteca Viriato Correa, aqui em São Paulo. Respiro fundo para conter a ansiedade que começa a galopar pelo meu corpo. Evito o café… opto por pequenos goles de água. E ao acalmar meus ânimos “ouço” Borges dizendo numa entrevista, gosto muito de dar aulas porque quando ensino, aprendo… e fui, aos poucos, repassando paisagens minhas.

Fazia um ano e seis meses que eu estava em São Paulo quando comecei a perceber que tinha me acostumado aos caminhos do bairro em que vivia. Acordava nos mesmos horários e saia para os lugares de todos os dias… Observava as mesmas janelas durante o trajeto e experimentava as mesmas emoções. Ocupava a mesa perto da porta de uma simpática padaria, que parecia saber de mim o suficiente.

Percebi — para o meu desconforto — que não havia produzido nada. Tinha um monte de rascunhos, esparramados por cima da mesa e manchados com café, em meio a um gesto rude — que misturava… raiva, horror, pessimismo e frustração. Vontade de amassar-rasgar-queimar todos aqueles papéis — me livrar da bagagem cheia de nada.

Tinha experimentado de tudo desde a minha chegada. Mas estava com as mãos vazias. Meia dúzia de vogais e consoantes seguidas por vírgulas, pontos, reticências e exclamações. Percebi que muito do que havia escrito, esbarrava diretamente nas teorias lacanianas, o que me fez sentir como se a decisão de abandonar a vida anterior, não tivesse ocorrido.

Apenas tinha atravessado o oceano, mudado de país e, no mais, tudo continuava como antes. Um belo soco na boca do estômago.

Eu havia escrito um conto-ruim, uma ou outra crônica-terrível e uma dúzia de artigos a respeito do comportamento humano, as desculpas da mente, entre outras coisas mais. E quanto ao esboço do romance? Não aconteceu. Não tinha uma única nota a respeito.

A decisão considerada como certa — meses antes — estava no limbo. E eu comecei a acreditar que em algum momento, estaria entrando em contato com órgãos responsáveis para legitimar os meus diplomas e retomar a atividade abandonada. Respirei fundo… e ao fazê-lo, veio a luz… as sábias palavras ditas por C — é preciso saber a hora de pedir ajuda e reconhecer que não dá para seguir sozinho.

A maioria das pessoas tendem a acreditar que escrever é um ato solitário. E estão certas… até certo ponto. Existem muitos exemplos de pessoas fechadas em seus aposentos, em conchas. Quando se escreve… é apenas você, o papel-tela e tudo que seu corpo tem para disponibilizar no momento em que o texto começa a ganhar vida. Mas, existem muitas coisas que precisamos considerar…

Pesquisei cursos-oficinas e me inscrevi em vários. Comecei a frequentar uma oficina de prática poética, na Biblioteca Mário de Andrade, nas noites de quinta. Não pretendia escrever poesias. Fui até lá, na condição de leitora de versos,

Após o curso que não me empolgou… movida por qualquer coisa de curiosidade, subi as escadas de pedra da Biblioteca e acabei na sala de T — uma estranha figura humana responsável pela programação cultural da Biblioteca. Ele se parecia com um dos personagens de Woody Allen — estranho, simpático e alucinado. Um apaixonado pelo dia de los muertos — um festival mexicano…

T mostrou-se empolgado com a minha presença e pediu para ler algo que eu tinha escrito. Morri! E enquanto voltava do mundo dos mortos, feito Fênix, tentava saber quantas vidas ainda restavam. Fui sincera. Eu não tinha o que mostrar. Havia descartado dezoito meses de escritos sem futuro. Ele sorriu e me convidou para um café, na lanchonete da esquina…

Depois do segundo gole, disse que eu fui uma tola — descartar um texto, por considerá-lo ruim é muito fácil, menina. Difícil é conseguir transformá-lo em um bom texto. Não me arrependi do meu gesto, mas não voltei a rasgar-queimar papéis. Às vezes, eu os amasso, mas pelo prazer de vê-los se deformar em minhas mãos quando alcanço a satisfação de ter escrito um bom texto…

5 respostas para ‘Sobre a minha escrita

  1. Lua Nova

    Certas cenas que você narram são tão cheias de entusiasmo, que parecem cenas de um filme que eu estou assistindo. Maravilhoso! E pensar que eu te acompanha há tempos. Que maravilha! E que bom que essa figura apareceu na sua vida e a fez compreender os caminhos para um bom texto e como você gosta de caminhar, foi perfeito. O Universo está sempre atento a todos nós.

    bisous

  2. Bob F.

    Confesso que ando pouco produtiva, exausta e sem imaginação para escrever… Por hora, sigo lendo e falando sobre livros e filmes, músicas, lugares e algumas vezes, sobre as bizarrices do mundo e da sociedade…

    Beijos

Pronto para o diálogo? Eu estou (sempre)