As idéias perturbam a regularidade da vida
Susan Sontag

Ao ler-te no meio dessa tarde… me lembrei de quando comprei o diário de Susan Sontag. Era apenas mais um livro numa bagunçada prateleira da Livraria Cultura do Conjunto Nacional que, naqueles dias, ainda era cenário propício a uma leitora — like me.
Havia tempos que não consumia a literatura aguda de madame Sontag — com quem dialoguei incansavelmente durante os primeiros anos de minha segunda década de vida — devorando-a sem restrições.
Com o livro em mãos… comecei a leitura ali mesmo! Pulei o prefácio… escrito por David Rief — filho da escritora e pousei imediatamente em 1947, conduzia que fui pela primeira anotação de Susan e de lá para a minha segunda década de vida, num salto — como se passasse por uma porta mágica.
Voltei ao ‘nosso discurso’ silencioso-quieto-morno de leitora-autora. Ouvi sua voz de mulher-firme-forte-às-vezes-fraca-frágil-alquebrada-contraditória. Me vi em seus círculos… a participar de suas trocas. Provei de sua raiva-dor-medo. Me envolvi com suas mulheres. Me vi de mãos dadas com seu menino-filho-estranho por caminhos vários. Fui de país em país, tomando nota das minhas primeiras-segundas impressões… e reconheci o sentimento ao pisar o chão estrangeiro.
A última página da história da vida de Susan… foi escrita no dia 28 de dezembro de 2004. Não sei onde estava… o que fazia. A notícia de seu falecimento não chegou nessa data… veio mais tarde — no ano seguinte através de uma pequena nota de jornal, lida a caminho de algum lugar — a bordo de um Comboio.
Era uma nota rasa-pequena — rodapé que quase ninguém lê. Não dei importância para o que lia, consequentemente não fiz a conexão entre o nome e a pessoa-personagem. Tinha me distanciado da literatura e mergulhado em outras realidades-autores…
Ao ler aquela breve-nota, esquecida ali… foi como saber o dia, a hora e o local da missa de sétimo dia de um personagem qualquer.
Enquanto reviro minhas lembranças… penso no instante em que tive o prazer de estar sob o julgo do olhar da escritora. Era Primavera em Nova Iorque. Fazia minha primeira viagem para as terras do tio Sam com um mapa secreto de lugares — com base nos livros e filmes que passaram pelo meu olhar —, em que queria estar. E aquele café na parte ‘mais escura’ da cidade era um deles… de frente para um velho hotel, onde residia G.T.S — com quem Sontag adorava discutir-discordar.
Tomei um susto ao vê-la se sentar no balcão, bem ao meu lado. Demorei a reagir e tentei ser o mais natural possível. Se tive sucesso? Impossível saber. Mas eu tentei não incomodá-la indo me sentar em outra parte do café… um canto de onde poderia observá-la, como se fosse desenhá-la mais tarde.
A idade estava bastante visível na pele branca-pálida da Mulher-escritora-doente que exibia contornos sérios-pesados-rudes. Ela era linda-e-horrível. Aparência fechada, sem disposição alguma para diálogos com estranhos. Parecia mal-humorada. Me encantei com os pesados goles — lentas tragadas — de café.
Não foi nada fácil estar a míseros centímetros daquela entidade que influenciou minha escrita-fala-movimentos. E sabê-la ausente de nós ainda me causa alguma estranheza. Não parece certo — como se alguma coisa no universo estivesse fora do seu devido lugar.
E, hoje, nesse segundo dia do ano, coloquei a água para ferver e fui até a prateleira, onde Susan vive atualmente… escolhi começar por seu primeiro diário — uma leitura primeira, como se regressasse ao café para um gole-encontro-diálogo… pontuando as minhas incertezas amadoras enquanto aguardo pelo que ainda falta publicar — como se a mulher ainda estivesse cá, entre nós, a escrever…
A sua escrita é maravilhosa e compreendo e muito a sensação de encontrar e desencontrar algo ou alguém na literatura. Alguém que te arremata, mas some. Alguém depois de sumido, volta a te consumir e se consumir em você.
Achei incrível o seu relato. ♡
Seja bem vinda, cara mia…
Certos sentimento são para sempre, não é mesmo? E a Literatura é um fio condutor dessa insanidade toda.
grata pela visita.
bacio
Os livros são mesmo portas mágicas para locais maravilhosos, secretos, quase esquecidos.
Sinto-me muito honrada pela referência, no post sobre a primeira leitura do ano, Lunna!
Há autores que vivem bem ali, na nossa prateleira, e é tão bom!
Um 2020 pleno e surpreendente, Lunna!
Adorei seu blog e a sua resenha! Fique muito inclinada para conhecer o livro!
Se puder retribuir o carinho, me seguindo de volta e visitando o blog, ficarei agradecida! http://nocairdaspaginas.home.blog
Abraços, Kathlen.