Durante uma conversa virtual-despreocupada com um escritor nessa semana, ele pontuou — ando a viver um sem-fim de domingos. Eu solucei qualquer coisa de sorriso e silêncio nos lábios porque faz muito tempo que me perdi dos dias e suas rotinas engessadas.
Antigamente eu sabia quando era sábado-domingo — dias regidos por movimentos conhecidos. Começava cedo… com a casa em silêncio. Cortinas fechadas. Da cozinha vinha o cheiro gostoso de biscoitos de nata e do café. Eu chegava de mansinho para não interferir nos rituais da manhã: papéis espalhados pela mesa, folhas brancas, envelopes coloridos, canetas (de todas as cores) livros de poesias e contos indianos.
Eu gostava imenso de espiar aquela realidade por entre frestas. Se pudesse… misturava-me ao batente da porta e ficava por lá, sem ser notada…
As manhãs de sábado eram leves-risonhas — dedicadas à escrita… diários-cartas. Leituras de poemas-contos. Degustação de xícaras de chá e a mesma fita k7 a reproduzir músicas gravadas na rádio — que tinha uma programação especial nas manhãs de segunda, quando se podia ligar e pedir para tocar uma música e dedicá-la a alguém. Certa vez, ouvi o narrador — com sua voz de veludo — dizer o meu nome. Passado o susto… cantamos juntas a nossa canção.
Os sábados eram os meus dias favoritos na semana… assim que eu ocupava o meu lugar à mesa, recebia um copo de leite caramelado e um prato de biscoitos (ainda quentes) de nata e baunilha, que dissolviam na boca… um a um.
Nos primeiros anos, eu apenas apreciava os gestos de C., que era destra e acomodava a caneta em seus dedos com suavidade. Gesto que eu sempre tentei repetir. Ela me ensinou a domar o lápis na mão correta — a esquerda — e escorregar o grafite pelo papel. Nas primeiras letras do meu nome — três consoantes e duas vogais —, ela conduziu a minha mão e acompanhou com especial atenção a minha euforia ao ver brotar as letras da ponta do lápis.
Ganhei um caderno onde treinar a minha escrita — o que me fez compreender que a escrita requer exercício-prática-cuidado.
Certa vez, ao entrar em uma papelaria e me perder entre as prateleiras… me deparei com um caderno diferente — de caligrafia — e soube que era para treinar a escrita. Me interessei. Curiosamente, era o mais barato dos cadernos e havia muitos exemplares disponíveis para venda, ao contrários dos outros. Peguei meia dúzia deles e levei ao caixa. Retirei um punhado de moedas do bolso, mas não consegui efetuar o pagamento. O senhor B. me confidenciou que preenchia um caderno daqueles por semana. E eu gostei imenso da idéia. Decidi fazer o mesmo. E sempre que alguém elogia a minha caligrafia — que já não é mais tão elegante quanto antes — recordo a piscadela de olho daquele signore.
Os meus sábados atuais são dias-comuns, apenas mais um na semana-calendário e eu nem sempre sei o que fazer com eles. Hoje eu decidi mover a mobília, tirar a poeira, varrer o chão, colocar as cortinas para lavar. E lá se foi o sábado…
04 | os meus sábados…

Lunna, cara mia, ler seus escritos é pegar carona no lado do passageiro e apreciar a paisagem/vida que você nos oferta. Tive muitos desses cadernos também mas hoje, minha letra é um emaranhado de garrincho que muitas vezes nem eu decifro (risos).
Sempre bom te ler. Beijos
Sempre bom tê-la por aqui, acompanhando as minhas insanidades.
Acho que a gente descuida da escrita, minha cara. Eu mesmo já não posso dizer nada diferente da minha. Aliás, outro dia, tomei nota de algumas coisas e quase não consigo decifrar o que havia escrito. rs
bacio
Ah, bateu saudade dos meus sábados de criança. Eram diferentes dos outros também.Tinha uma vibração especial, afinal não tinha aula e tudo era mais feliz. Tinha outra cor, aroma. Era o melhor dia da semana, sem dúvida..
Hoje em dia meus sábados também são dias comuns, mais um dia da semana como outro qualquer.
E eu também tive um caderno de caligrafia, mas não gostava de usá-lo. Talvez por isso a minha letra seja o que é.
bisous
Eu acho uma delícia essas relações que temos com os dias.
Me divirto… e quanto a sua letra, eu gosto.
bacio
Esse post poesia me trouxe uma saudade, um calor no coração de quando eu morava em uma casa grande, com um quintal enorme e toda família de italianos todos ali. Pai, mãe, avó, bisavó, tias e primos e se não bastasse a família se espalhava em outras casas pela mesma rua. Tinha gemada, ovos molinhos e quentes. E a panela de pressão que começava a chiar logo cedo cozendo a melhor carne assada do mundo. E hoje, o sábado é apenas sábado.
Hummmm, que delícia! Que bom que antes de ser apenas sábado, foi um dia inteiro.
bacio
Nossa, eu achei a sua escrita muito densa, difícil de ler. Vou te dar uma dica, usa menos poesia, tá? Eu tive que ler duas vezes e ainda assim me perdi.
Grazie pela dica, mas se ler outros textos meus, verá que a poesia é frequente por aqui. É parte do que sou. Logo, impossível usar menos… e quanto a entender, a poesia é assim mesmo, nem sempre alcança, às vezes, se perde.
bacio
Usei caderno de caligrafia, mas em determinada época, decidi “desenhar” letras diferentes, com estilos diferenciados. Isso exasperava aos professores, por algum motivo. Quando criança, gostava de sábados e domingos por causa dos jogos de futebol, tanto os “contras” que jogávamos nos campos da Periferia, quanto os profissionais, principalmente do S.P.F.C..
Eu sempre quis ter letra legível e “coreografada” no papel. Usei muitos cadernos, mas hoje eu escrevo mais no notebook que no caderno. A caligrafia está a perder-se dos dedos.
dos sábados eu só me recordo da música de Roberta Sá e do Diário das Quatro Estações…
Aos sábados, minha cara…