Daqui de dentro, sem prazo para emergir…
Caríssima M.,
…sua missiva chegou até mim como uma forte rajada de vento, daquelas que tiram tudo do lugar e causa algum tumulto na mesa que ocupo essa semana.
Não saí de casa — não vi pessoas e me espalhei pelos cantos desse lugar ao qual não pertenço. Sou hóspede temporária desse cenário, como fui de tantos outros, desde que cheguei à São Paulo. Sou hóspede em meu próprio corpo e o único lugar que reconheço como lar é a Noite — e os dias de chuva! Os relâmpagos e trovões… são parte de minha anatomia.
A noite é, com certeza, o meu lugar… é aquela roupa gostosa que o corpo veste e nela se esquece — uma espécie de segunda pele. É o meu inverno. Minha xícara de chá de raízes-folhas-e-cascas. O livro que sempre volta as mãos para uma última leitura.
Passei os últimos em mim, naquela porção mais funda, onde a realidade tenta, mas não consegue penetrar. Não é um refúgio onde me escondo — é apenas um lugar inventado durante minha estadia no templo da infância, por mim apelidado de: noite imensa…
Eu nunca gostei dos dias — que são causa de fadiga, indisposição. Respiro fundo — como quem morre — um sem-fim de vezes e o verbo aborrecer… se conjuga em minha pele feito tatuagem. O sol a tingir tudo com suas luzes me aborrecem… e eu me lembro de achar engraçado descobrir durante as aulas no colégio, que só enxergamos por causa da luz, que é codificada por células.
E eu passei a piscar mais depois que o professor comparou a pupila com o diafragma de uma máquina fotográfica e a ouvir um clique imaginário. Anotei em um dos meus cadernos-vermelhos: quantos cliques os olhos registram por segundo de vida? E quando é que folheamos esse nosso álbum?
Eu não sei se em algum momento parei de pensar nisso… porque continuo a piscar e a fechar os olhos para nada registrar-ouvir-sentir e ficar do lado de dentro… imersa em qualquer coisa de paz.
A realidade minha cara, sempre foi um ingrediente para os meus experimentos…
Eu flutuo por cima das coisas, atravesso cenários. Mas não sei se eu me misturo as coisas-pessoas-lugares. Passo por eles e levo comigo alguma coisa e, tento acreditar, que deixo qualquer coisa minha… numa espécie de troca-justa. — como diz a canção de Marisa Monte — ‘isso me acalma, me acolhe a alma‘.
Os abismos são assim… apenas queda — mas há quem prefira a realidade que curiosamente oferece a sensação de pés no chão. Eu prefiro apreciar minha porção de Alice… cair e cair e cair!
Au revoir
Ah, que título delicioso e eu fiquei aqui imaginá-la dento dessa noite imensa e com os olhos fechados.
Maravilhoso título e narrativa.
Lu, não vai te lançamento seu nesse 21?
bisous
Gostaria eu de ser teu correspondente, seria prazeroso receber notícias tuas.
Te encanto
beijos teus olhos
Outro dia percebi que, apesar de ler sempre seus posts, não comento…
E foi uma surpresa essa constatação porque eu falo comigo mesma a cada texto seu. Pergunto e respondo, leio e releio alguns trechos. E fica uma prosa tão animada de mim para mim mesma que esqueço de te contar como me deleito com o que leio por aqui.
Obrigada!
Fiquei sem palavras… o suspiro chegou ao cuore. Grazie!
Ler teus escritos é mais do que meramente juntar palavras em um coordenado que forma frases completas. É sentir cada linha como se estivesse ao teu lado enquanto escreve.
Sou também uma pessoa que encontra maior abrigo e conforto na noite, mas jamais havia pensado compara-la a uma roupa gostosa e esta tua descrição me encantou.
Beijos
A noite é um lar daqueles.