manhã de terça-feira. ouço o canto das maritacas nas árvores. será um dia de sol. se será quente, parece impossível saber. estamos no verão. é janeiro. mês das tempestades. céu azul e nuvens carregadas que mudam o cenário num piscar de olhos.
e o ano — aparentemente — ainda é novo. mas quando é que ele deixa essa condição? em que momento o novo perde o a cor, o aroma, o sabor?
quando criança, eu me aborrecia ao ganhar um par de tênis novo. com aquele cheiro de coisa guardada na caixa. era fase de crescimento e o calçado anterior perdia a serventia rapidamente. ficava pequeno, apertava os dedos maiores. e, às vezes, o pé não cabia dentro do espaço, reduzido da noite para o dia. ao menos era o que a criança que eu era, pensava. até ontem servia. o que houve com esse tênis? e lá vinha a caixa de papelão com o logo da empresa estadunidense que parecia concordar comigo. quanto mais velho, melhor.
nunca gostei de tênis novo. e sou do tempo em que não havia tantas opções ou modelos. todos nós usávamos um all star — que era visto nos pés da geração punk rock nos anos setenta e de roqueiros clássicos, como Kurt Cobain, do Nirvana na década de noventa —, mesmos modelos, variando apenas a cor. o meu era vermelho e de cano alto.
quando calçado pela primeira vez era incomodo e desconfortável. o calçado tinha seu próprio molde. era necessário caminhar para ajusta-lo a minha fôrma. certa vez, ganhei uma maldita bolha de presente.
mas e o ano? já se passaram cinco dias. ainda é novo ou será que já envelheceu? ontem foi apenas o primeiro dia útil de dois mil e vinte e um. ouvi muitos: feliz ano novo. todos que chamei para falar dos projetos de escrita — em fase de construção —, ainda pareciam ouvir o espocar dos fogos, da rolha. a maioria ainda estava em estado de pausa, embriagados pelo velho. dois mil e vinte ainda não se dissipou totalmente. foi um ano inteiro, uma vida inteira.
na última hora do dia trinta e um — o tal do ano velho — eu decidi escrever outro romance. disse em voz alta, na varanda, enquanto observava alguns fogos festejarem o novo. esvaziei gavetas-caixas-e-baús, em busca de meus antigos rascunhos. tenho muita coisa escrita na década primeira do novo século. rascunhos deixados para depois. coisa de escritor.
escrevi várias histórias. duas delas foram reescritas nos últimos anos. vermelho por dentro e alice, uma voz nas pedras. o processo de reescrever histórias é fascinante. é como diz a canção de Fabá de Belém — regressar é reunir dois lados, a dor do dia de partir, com seus fios enredados, na alegria de sentir.
você se lembra da paisagem, mas o lugar não é mais o mesmo, nem você e o mesmo acontece com uma história que ficou guardada-esquecida, em estado de espera. os elementos da trama, os personagens é algo conhecido e estranho… novo e velho — outra coisa. e a pessoa que escreve também é outra.
o dia seguinte de uma narrativa é muito interessante.
Admiro muito quem tem a capacidade de escrever coisas extensas, romances. Eu até que já tentei, mas não tenho método, nem conteúdo para tanto. E eu também não gosto de calçado novo não, até por isto hoje eu compro um que sei vai irá perdurar por uns cinco anos ao menos.
Também usei muito e ainda uso all star rsrsrs. Gostei 🙌🏻
Também não gostava de ganhar um novo. rsrsrs
Parece que ainda estamos em 2020, mas paciência 2021 virá. Espero.